Brasil ainda enfrenta fiação exposta em postes, algo ultrapassado

A fiação elétrica no Brasil continua exposta em postes sobrecarregados, trazendo riscos à segurança, instabilidade no fornecimento de energia e, claro, uma poluição visual difícil de ignorar. Enquanto isso, cidades como Paris e Nova York enterraram suas redes há décadas, criando uma infraestrutura urbana mais segura e organizada.
Nos bairros periféricos de grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, é comum ver postes repletos de fios. Esses postes não apenas carregam a fiação elétrica, mas também cabos de telefonia, internet, fibra óptica e até ligações clandestinas. Essa bagunça visual só aumenta com a permanência de cabos antigos, que muitas vezes ficam ali sem qualquer utilidade.
Curiosamente, apenas menos de 1% da rede elétrica no Brasil está subterrânea. Enquanto outras metrópoles têm prioridade na infraestrutura subterrânea, o Brasil parece imerso em um cenário de abandono e falta de planejamento. E não dá para evitar a comparação: as ruas limpas e organizadas de cidades europeias contrastam bastante com nossa realidade caótica.
Cidades globais deram o exemplo há mais de um século
Nova York começou a enterrar seus cabos em 1888, e hoje 86% da sua rede está subterrânea. Paris seguiu esse caminho em 1910 e finalizou sua transição há mais de 60 anos. Londres também tem feito esforços nesse sentido. Em 2020, a cidade investiu 1 bilhão de libras para remover postes. Já Buenos Aires proíbe novas fiações aéreas desde 2005. Esses exemplos mostram que enterrar a fiação não é uma questão estética, mas sim uma necessidade urbana que traz segurança e valoriza o espaço público.
Custo e complexidade são gargalos estruturais
Um dos grandes desafios para modernizar a rede elétrica no Brasil é o alto custo de instalação subterrânea. Para você ter uma ideia, enterrar 1 km de fiação elétrica pode custar até oito vezes mais do que a instalação aérea. Enquanto uma rede suspensa custa cerca de R$ 100 mil por km, a subterrânea pode passar de R$ 840 mil.
Além do preço, a complexidade técnica das obras também é uma barreira. Os cabos precisam ser protegidos contra umidade, pressão e calor, o que demanda materiais de qualidade e mão de obra especializada. A escavação em áreas urbanas é um processo delicado, muitas vezes travado por tubulações não mapeadas ou até relíquias arqueológicas.
Burocracia emperra leis e paralisa avanços
A burocracia também desempenha seu papel nesse impasse. Em 2005, a prefeitura de São Paulo criou uma lei que exigia o enterramento de 250 km de fios por ano. Mas, em 2015, a Justiça Federal suspendeu a medida, alegando que as prefeituras não tinham competência para legislar sobre isso. Esse desfecho travou iniciativas semelhantes em outras cidades e deixou um vácuo de responsabilidades entre órgãos municipais, estaduais e federais.
Atraso técnico, falta de incentivo e riscos à população
Resultados pontuais em projetos de enterramento de fiação são muito lentos. O programa SP Sem Fios, que prometeu enterrar 65 km de fiação desde 2017, até agora só executou 37 km. Nesse ritmo, levaria mais de 3.000 anos para enterrar toda a rede na capital.
Além disso, a falta de incentivos tanto para concessionárias quanto para políticos é um entrave. Como esses projetos não trazem retorno financeiro imediato, acabam sendo considerados “invisíveis” e, portanto, pouco atraentes para quem toma as decisões. Enquanto isso, a realidade é dura: fios pendurados continuam a causar acidentes. Desde 2009, já foram mais de 36 mil ocorrências e 4.000 mortes.
Consequências e comparação internacional
O modelo aéreo que temos é extremamente vulnerável. Em outubro de 2024, ventos fortes em São Paulo deixaram 2 milhões de pessoas sem energia, e os prejuízos ultrapassaram R$ 1,5 bilhão. Em contraste, na Europa, o consumidor médio fica apenas 12,2 minutos por ano sem energia, enquanto no Brasil a média ultrapassa 10 horas. Essa diferença mostra como a infraestrutura deficiente afeta nossa qualidade de vida e produtividade.
Enterrar os fios não só melhora a eficiência, mas também pode valorizar imóveis, atrair turismo e conservar áreas verdes — tudo isso sem a necessidade de podas agressivas em árvores. É um passo que pode transformar as cidades, tornando-as mais agradáveis e funcionais.