A capital mais ao sul do Brasil e seu famoso pôr do sol no lago

No extremo sul do Brasil, Porto Alegre viu sua paisagem se transformar com um espetáculo diário: os belos pôr do sol refletidos nas águas do Guaíba. Esse fenômeno natural, que é simplesmente deslumbrante, se tornou um ponto crucial para a revitalização da cidade. A orla, que antes apresentava áreas degradadas, agora se tornou um espaço público vibrante e convidativo, mudando a maneira como os porto-alegrenses se relacionam com sua própria cidade.
A revitalização da Orla do Guaíba não é só uma questão de arquitetura — é uma verdadeira lição sobre urbanismo moderno. Esse projeto ganhou destaque no cenário internacional, ao mesmo tempo em que levantou questões importantes sobre os direitos dos cidadãos à cidade, as práticas de exploração do espaço público e as preocupações com o meio ambiente. Assim, a história recente de Porto Alegre revela como a beleza de um pôr do sol pode iluminar também os desafios enfrentados por uma metrópole.
O paradoxo do Guaíba: batalha científica e jurídica
O Guaíba é um verdadeiro enigma. A discussão sobre sua classificação como rio ou lago pode parecer técnica, mas tem um impacto profundo em Porto Alegre. Pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) argumentam que, de acordo com sua hidrodinâmica, ele deve ser considerado um lago. Essa fluididade no entendimento tem a ver com o fato de que o Guaíba não tem um fluxo de água constante, como um rio, mas sim um comportamento que lembra mais um espaço lacustre.
Essa definição não é apenas acadêmica. A legislação ambiental brasileira estabelece diferentes regras para áreas de preservação, dependendo da classificação. Se for considerado um rio, as margens teriam uma proteção de até 500 metros. Como lago, esse limite pode cair para apenas 30 metros. Essa diferença é a raiz de uma batalha judicial onde a classificação como lago facilitou a implementação de projetos urbanos, enquanto ativistas pedem uma proteção maior para impedir a expansão imobiliária.
A orla revitalizada: um palco para o espetáculo cívico
A transformação da Orla do Guaíba, que antes era um espaço abandonado, tornou-se um dos destinos favoritos do Brasil. O arquiteto Jaime Lerner tinha um sonho: “devolver o Guaíba aos porto-alegrenses”. E ele conseguiu. Com estruturas que harmonizam com a paisagem, hoje a orla conta com passarelas e arquibancadas desenhadas para garantir que todos possam aproveitar o espetáculo do pôr do sol de forma acessível e inclusiva.
Esse projeto não passou despercebido. A revitalização ganhou reconhecimento da ONU-Habitat como um exemplo de inovação urbana para a América Latina. Os critérios de seleção incluíram o impacto positivo do projeto na comunidade, a diversidade de atividades que o espaço oferece e sua gestão inovadora por meio de Parcerias Público-Privadas. A Orla se tornou, de fato, uma "sala de estar" para a cidade.
Um território em disputa: o avanço urbano e a resistência
Apesar do sucesso da revitalização, a gestão da Orla levantou um intenso debate sobre a privatização de espaços públicos. As áreas centrais, como o Trecho 1 e o Parque Harmonia, foram delegadas à iniciativa privada por 35 anos, trazendo grandes investimentos em troca de exploração comercial. Essa configuração levou a uma disputa sobre o que realmente significa "pertencer" a um espaço público.
Críticos, entre eles entidades como o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS), alertam que essa concessão pode resultar na “apropriação empresarial” de um patrimônio coletivo. Existe o temor de que a busca pelo lucro faça com que a população de baixa renda seja cada vez mais excluída, com eventos caros e áreas voltadas para o consumo. O que está em jogo é um novo modelo de desenvolvimento urbano que, embora eficiente, levanta sérias questões sobre justiça social e o direito à cidade.
Resiliência e futuro: o desafio pós-enchente
A história de sucesso da Orla enfrentou uma reviravolta em maio de 2024, quando uma enchente histórica afetou a infraestrutura recém-inaugurada. Essa catástrofe serviu como um alerta da força da natureza e trouxe à tona um novo desafio para Porto Alegre. Atualmente, a reconstrução está em curso e está sendo planejada com foco na resiliência climática, utilizando materiais mais robustos para garantir que a área possa resistir a novas inundações no futuro.
A enchente também trouxe mudanças nos planos para áreas ainda não revitalizadas, como o Trecho 2, que pretendia incluir uma marina pública e um centro de eventos. Agora, a prioridade é a construção de estruturas de contenção, buscando proteger a cidade de futuras crises. O que antes era um foco na beleza e na celebração agora virou uma discussão urgente sobre segurança e adaptação. Apesar dos desafios, ainda podemos apreciar o pôr do sol que agora nos lembra da nossa vulnerabilidade e da necessidade de estar preparados para o que vem pela frente.