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Pico da Neblina: desafio científico e símbolo da Amazônia

No extremo norte do Amazonas, ergue-se uma montanha que se destaca em meio à bruma densa. Para nós, brasileiros, ela é o Pico da Neblina, o ponto geográfico mais alto do país. Para os povos indígenas Yanomami, seus guardiões ancestrais, essa montanha é Yaripo, a "Casa dos Espíritos", um lugar sagrado e pulsante. O acesso a essa área é rigorosamente controlado, simbolizando o conflito entre a ciência, a espiritualidade, a luta pela soberania indígena e a necessidade de proteger a natureza.

Yaripo ou Pico da Neblina? A dupla identidade do ponto mais alto do país

Essa montanha carrega dois nomes que refletem visões distintas. O nome “Pico da Neblina”, escolhido pelo Estado brasileiro, retrata uma perspectiva geográfica a ser explorada. Em contrapartida, o nome “Yaripo” revela sua importância sagrada para os Yanomami, que a veem como um elemento vital no seu cosmos. Essa dualidade ressoa com os conflitos na Amazônia, onde a cosmologia indígena se choca com a geopolítica estatal e os interesses do extrativismo.

Geografia, altitude e clima extremo

Localizado na Serra do Imeri, parte do antigo Planalto das Guianas, o Pico da Neblina atinge 2.995,30 metros de altura, segundo medidas do IBGE de 2015. Isso a torna o ponto mais alto do Brasil e de todo o Escudo das Guianas. Sua origem geológica remonta à era Pré-Cambriana, uma das mais antigas do planeta.

O clima nessa região é bastante desafiador. Na base, o calor equatorial úmido predomina, mas à medida que subimos, as temperaturas podem cair para até 6°C no cume. A combinação da umidade e do frio resulta na neblina densa que dá à montanha o seu nome em português, criando uma barreira natural de proteção.

O coração espiritual na Terra-Floresta Yanomami

Para os Yanomami, a terra (urihi) é muito mais que um espaço físico; é uma entidade viva. Nesse contexto, Yaripo é a morada dos xapiripë, espíritos que auxiliam os xamãs na busca pelo equilíbrio espiritual. A trilha até o cume se torna uma verdadeira jornada espiritual, onde locais específicos são considerados sagrados.

Entidades como Yariporari (espírito do vento) e Ruwëriwë (espírito do frio) habitam a montanha. Por isso, o acesso à região é pautado por protocolos rigorosos. Para os visitantes, é essencial obter uma bênção dos pajés, garantindo proteção espiritual antes de qualquer exploração na área.

O Projeto Yaripo e o ecoturismo comunitário

Depois de um período de turismo descontrolado, o acesso ao Pico da Neblina foi fechado em 2003. Com isso, surgiu o Projeto Yaripo, um modelo de visitação elaborado e conduzido pelos próprios Yanomami. Nesse esquema de Turismo de Base Comunitária (TBC), o turismo se transforma em uma ferramenta essencial para a afirmação cultural e defesa territorial.

O acesso é restrito a grupos de até 10 pessoas, com operadores autorizados e regras que incluem a ritualística de proteção. O objetivo do projeto é criar uma alternativa econômica sustentável em resposta ao apelo do garimpo.

A luta constante pela preservação do Pico da Neblina

A mineração ilegal de ouro, ou garimpo, representa a maior ameaça à região. Essa atividade gera desmatamento, contaminação dos rios com mercúrio e o surgimento de doenças. Iniciativas do Estado, como a Operação Yaripo Ye’pâ, lutam contra a invasão e tentam desmantelar acampamentos ilegais, mas o problema persiste, já que os garimpeiros se adaptam e mudam de locais quando a fiscalização aperta.

Nesse cenário, o Projeto Yaripo se torna ainda mais vital. A presença de um turismo organizado, liderado pela comunidade, serve como uma vigilância constante, dificultando a entrada e a permanência de atividades criminosas na área. O futuro do Pico da Neblina está intimamente ligado ao fortalecimento do povo Yanomami e suas iniciativas de proteção e soberania.

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