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Poço artesiano em terreno privado: entenda a legislação de 1988

No Brasil, ter um poço artesiano no quintal não é sinônimo de liberdade para usar a água que vem dele. Desde a Constituição de 1988, as águas subterrâneas são consideradas bens de domínio público. Isso significa que existem várias regras para quem deseja utilizar esse recurso, mesmo que o poço seja a única fonte de água da casa.

As normas existem para proteger os aquíferos e garantir que a água mantenha sua qualidade. Contudo, a burocracia, os altos custos e a falta de entendimento entre os governos estadual e municipal fazem com que muita gente acabe usando poços sem regularização. Estima-se que aproximadamente 88% dos poços no Brasil funcionem de forma irregular, mesmo aqueles que atendem famílias que precisam.

A água do seu terreno não é sua: o que diz a lei?

Antes de 1988, quem possuía um terreno também tinha direito à água subterrânea disponível. Hoje em dia, é necessário obter autorização do Estado para usar essa água. Esse processo exige várias etapas, incluindo estudos técnicos e licença ambiental.

A Lei das Águas (9.433/1997) é a base que demanda essa autorização. Para casos de consumo baixo, como até 15 mil litros por dia em São Paulo, pode-se ser dispensado da outorga, mas mesmo assim é preciso se cadastrar no sistema estadual.

Na prática, a realidade é bem diferente: regularizar um poço pode custar caro, levar bastante tempo e exigir a ajuda de especialistas. Por conta disso, muitos optam por ignorar as regras, não por má intenção, mas pela dificuldade de seguir esse caminho.

Por que regularizar um poço é tão difícil?

A regularização de um poço artesiano envolve várias etapas:

  • Licença de perfuração
  • Estudo hidrogeológico
  • Laudos de qualidade da água
  • Outorga de uso
  • Cadastro em sistemas estaduais
  • Instalação de um hidrômetro
  • Renovação periódica da licença

Além disso, a autorização é sempre feita pelo Estado, mesmo que a prefeitura esteja mais próxima da realidade local. E tem mais: a Lei 11.445/2007 proíbe o uso de água de poços em imóveis que já têm conexão com a rede pública. Portanto, se sua casa é abastecida pela concessionária, não pode usar o poço ao mesmo tempo.

Mesmo regularizado, o poço pode ser barrado

Em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, uma tentativa de lei municipal permitiu que as residências usassem água de poços, desde que passassem por análises de qualidade. Porém, a estatal que cuida do abastecimento na região reagiu, alegando que essa questão deveria ser decidida apenas pelo Estado.

Conflitos desse tipo são cada vez mais comuns. Já houve decisões judiciais que proibiram o uso de poços, mesmo aqueles que estavam regularizados, defendendo que a prioridade deve ser sempre a rede pública, em nome da saúde pública e da preservação ambiental.

E nas zonas rurais?

Nas áreas rurais, a necessidade de autorização se mantém. Por que isso? Os aquíferos são interligados, e o uso descontrolado pode levar à seca desses reservatórios. Além disso, há riscos de contaminação da água por agrotóxicos e outros resíduos, o que torna o monitoramento contínuo fundamental.

Estados como São Paulo exigem estudos hidrogeológicos e análises químicas da água, além de renovações periódicas a cada cinco anos, mesmo nas propriedades rurais.

Quando o sistema cria o problema

Apesar de haver razões para a regulação, o modelo atual acaba se tornando ineficiente: cerca de 90% dos poços operam fora da lei. Muitas pessoas não têm condições financeiras ou estruturais para enfrentar um processo tão complicado, mesmo quando realmente precisam de acesso à água.

A batalha entre conservação ambiental, arrecadação de impostos e autonomia local transforma a ação de perfurar um poço em um processo complicado, onde quem mais precisa muitas vezes acaba sendo prejudicado.

É uma situação delicada que levanta questões importantes sobre o acesso à água, um recurso vital para todos.

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