Pedir bênção aos pais se torna cada vez menos comum

O costume de pedir a bênção aos pais, tão comum em gerações passadas, tem enfrentado uma transformação no Brasil. Esse gesto, que sempre simbolizou respeito e carinho, está perdendo força nas novas dinâmicas familiares. Mas calma, isso não quer dizer que os valores estão se perdendo. Na verdade, é uma adaptação à cultura moderna.
O antropólogo David Stigger, da USP, nos lembra que “a cultura não perde seus valores, ela transforma. Ela realoca e reorganiza”. Isso quer dizer que, mesmo que pedir a bênção esteja se tornando raro, o espírito dessa troca ainda permanece vivo, se manifestando de outras maneiras.
Novas famílias, novos rituais
O retrato das famílias brasileiras mudou. O modelo patriarcal já não é a regra. Hoje, temos lares liderados por mães solo, casais homoafetivos e avós que assumem a responsabilidade pelos netos. Essa realidade impacta diretamente a forma como o gesto de pedir a bênção é vivido, que antes estava associado ao pai ou à mãe.
David Stigger destaca que uma parte significativa das famílias atuais é chefiada por mulheres, portanto, o que era “bênção do pai” ou “bênção da mãe” deixa de ter um sentido único, adaptando-se à diversidade dos arranjos familiares.
A bênção como proteção simbólica
Antigamente, pedir a bênção era mais que um hábito; era um ritual que marcava a saída de casa, o espaço privado, rumo ao exterior, que era visto como arriscado. Esse ato representava proteção e cuidado.
Era como um escudo emocional, ajudando a enfrentar os desafios do mundo lá fora com a força dos laços familiares. Assim, não se tratava apenas de um gesto cotidiano, mas de algo profundo, carregado de significado.
A hiperconexão muda as fronteiras
Hoje, a tecnologia e a comunicação instantânea tornaram as fronteiras entre o público e o privado bem mais fluidas. Aplicativos como o WhatsApp mantêm as famílias conectadas a todo momento.
Para Stigger, isso diminui a necessidade de um ritual específico de despedida. Ele comenta que “a eficácia simbólica da bênção muitas vezes não se torna tão necessária”, o que reflete como as relações estão se transformando na era digital.
Transformações jurídicas e afetivas
Christiane Torres de Azeredo, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Direito da Família, analisa como as estruturas familiares sempre estiveram em evolução. A Constituição de 1988 trouxe novas diretrizes, consagrando o afeto e a dignidade como pilares da família, substituindo o antigo “pátrio poder” pelo “poder familiar”, promovendo igualdade e valorização das relações afetivas.
O gesto se transforma, o afeto permanece
O fato de a bênção estar se esvaindo em sua forma tradicional não significa que o respeito e o amor entre pais e filhos tenham diminuído. Pelo contrário, isso sinaliza novas maneiras de expressar sentimentos, moldadas pela realidade de cada geração.
A transformação é parte natural do convívio e da evolução humana, mostrando que, independentemente da forma, o importante é a presença contínua do afeto.