Modelo 996, banido na China, avança em startups dos EUA

O modelo de trabalho conhecido como 996 — que exige jornadas de 9h às 21h, seis dias por semana — tem ganhado atenção novamente. Originalmente adotado por empresas da China, esse esquema foi banido por lá devido a denúncias de exploração e casos trágicos de morte de empregados. Curiosamente, agora várias startups nos Estados Unidos estão se inspirando nesse padrão.
Esse termo, 996, começou a ser utilizado nas empresas de tecnologia na China no começo dos anos 2010. Com ele, os funcionários se tornam parte de uma rotina intensa, totalizando 72 horas de trabalho semanal. Por um tempo, muitos executivos viram isso como um símbolo de produtividade e comprometimento. Mas a realidade foi bem diferente. Associações de trabalhadores e órgãos de saúde logo começaram a alertar sobre os perigos desse estilo de vida.
A pressão foi tão grande que, em 2021, a Suprema Corte da China decidiu proibir essa prática. O novo limite estabelecido é de 40 horas semanais, com no máximo 36 horas extras por mês, numa tentativa de diminuir as doenças e mortes relacionadas ao excesso de trabalho. Essa mudança também alinhou a regulamentação chinesa às normas internacionais de trabalho.
Infelizmente, o caso de um jovem programador de apenas 25 anos que sofreu uma hemorragia cerebral fatal após meses nesse sistema chocou o mundo e acelerou a regulamentação. O impacto desse tipo de jornada leva muitos a repensarem a forma como se trabalha.
Expansão para os Estados Unidos
Apesar da proibição na China, algumas startups norte-americanas estão adotando esse modelo. O jornal britânico The Guardian destaca que a justificativa é que esse ritmo acelerado poderia aumentar a competitividade no mercado de inovação. Entretanto, especialistas alertam que trazer esse padrão de trabalho para os Estados Unidos é também trazer riscos associados a ele.
A contradição é evidente: enquanto a China endureceu suas leis trabalhistas, empresas americanas estão tentando reproduzir práticas consideradas prejudiciais de seu país de origem. Críticos do modelo 996 o chamam de “escravidão moderna”, reconhecendo que a exaustão extrema pode ser considerada trabalho análogo à escravidão pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Riscos à saúde e repercussões globais
No Japão, já existe um termo chamado karoshi, que significa “morte por excesso de trabalho”. Essa expressão tem sido usada por décadas para descrever os perigos das jornadas prolongadas. Os riscos associados ao modelo 996 — como ataques cardíacos, AVCs e até suicídios — são preocupantes e refletem a necessidade de se discutir limites mais saudáveis de jornada.
Ao normalizarem esse tipo de rotina intensa, as empresas não afetam apenas a saúde física, mas também o bem-estar mental dos funcionários. Esse tema está sendo debatido em várias esferas, especialmente na era digital, onde o foco em performance alta é constante.
A discussão sobre jornadas de trabalho pode muito bem se expandir para outros países, incluindo o Brasil. Por aqui, sindicatos e categorias profissionais já falam em reduzir o regime de trabalho de seis dias para jornadas mais curtas. A adoção do modelo 996 nos Estados Unidos destaca uma tendência de flexibilizar as regras trabalhistas em nome da competitividade, além de reabrir o debate sobre direitos mínimos, saúde e segurança do trabalho.
Embora haja quem defenda essa prática como algo voluntário, é importante lembrar que a pressão do mercado pode forçar muitos jovens profissionais a aceitarem condições que prejudicam sua saúde a longo prazo.