Lei federal limita legislações municipais sobre fiação elétrica

O emaranhado de fios que se espalha pelas cidades brasileiras contrasta com a beleza de lugares como Paris, Madrid e Nova York, onde os cabos são enterrados há anos. Essa poluição visual é apenas a ponta do iceberg. Por trás desse cenário, está uma infraestrutura complicada de fiação elétrica aérea, que não só prejudica a estética, mas também expõe as pessoas a riscos constantes de acidentes e a apagões frequentes. A situação gera preocupações e precisa ser discutida.
Um dos principais obstáculos para a modernização desse sistema é uma batalha jurídica que impede a criação de leis municipais. Enquanto as cidades tentam aprovar normas para forçar o enterramento dos cabos, uma legislação federal centraliza essas decisões na União. Essa situação acaba paralisando ações concretas. As concessionárias de energia e telecomunicações, amparadas por essa lei, se esquivam dos custos gigantescos envolvidos na mudança. E assim, a população continua enfrentando o problema diariamente com postes sobrecarregados.
O custo bilionário da modernização
O que muitos argumentam contra o enterramento dos fios é o custo elevado. Para se ter uma ideia, construir 1 quilômetro de rede aérea custa cerca de R$ 100 mil. Em contraste, o mesmo trecho com cabos subterrâneos pode chegar a custar mais de R$ 840 mil. Em alguns casos, como revelou a Celesc, distribuidora de energia de Santa Catarina, esse valor pode ultrapassar R$ 1,7 milhão por quilômetro.
Esse abismo financeiro se deve à complexidade dos materiais e da obra subterrânea. Os cabos aéreos são mais simples, utilizando o ar como isolante natural. Já os subterrâneos necessitam de várias camadas de proteção contra umidade e pressão do solo, além de transformadores, dutos e caixas de passagem, todos projetados para ambientes fechados.
O labirinto jurídico que paralisa o avanço
O burocracia é o maior entrave para a modernização da fiação elétrica no Brasil. Um exemplo foi a Lei nº 14.023, sancionada em São Paulo em 2005, que obrigava as concessionárias a enterrarem 250 km de cabos por ano sem repassar os custos aos consumidores. Se cumprida, a cidade teria mais de 2.000 km de redes subterrâneas hoje. Porém, a lei foi contestada na Justiça, e em 2015, a decisão da Justiça Federal a suspendeu, criando um precedente que resultou na inconstitucionalidade de iniciativas semelhantes em outras capitais.
Foi nesse momento que surgiu a Lei Federal nº 13.116, que deixou claro que apenas a União tem a prerrogativa de regulamentar a parte técnica das redes de energia. Isso criou um impasse: os municípios não podem obrigar, e as concessionárias não veem incentivo para investir.
Desafios operacionais e a falta de planejamento
Caso o impasse jurídico fosse resoluto, ainda haveria a complexidade técnica das obras. Um projeto da Enel em São Paulo, por exemplo, levou anos apenas para enterrar 4,2 km de fios, a um custo de R$ 5 milhões por quilômetro. As obras são lentas devido à necessidade de realizar escavações durante a madrugada, para não atrapalhar o trânsito, o que leva a mais reclamações de barulho.
Além disso, a falta de um planejamento de longo prazo é um complicador. Políticos muitas vezes não se arriscam em projetos que não trazem visibilidade imediata, optando por ações que garantam inaugurações rápidas. Por outro lado, as concessionárias, com contratos de 30 anos, não têm pressa para investir em soluções que não aumentam o faturamento a curto prazo. E, segundo especialistas, a indústria nacional de materiais pode não estar pronta para um projeto de grande escala de enterramento.
O preço da inércia: riscos, apagões e mortes
A fiação elétrica exposta tem um alto custo humano e social. Este modelo é vulnerável a desastres naturais. A tempestade que atingiu São Paulo em novembro de 2023, com ventos de mais de 100 km/h, deixou 2 milhões de pessoas sem energia e causou danos bilionários, mostrando como um evento climático pode paralisar bairros inteiros.
Os números de acidentes são alarmantes. Um levantamento indicou que, entre 2009 e 2024, ocorreram cerca de 36.000 incidentes envolvendo fiações, resultando em mais de 4.000 mortes. Para se ter uma ideia, entre 2022 e 2024, foram registrados 660 óbitos, como o caso trágico do porteiro que morreu eletrocutado ao tocar um poste. Com cerca de 10 milhões de postes sobrecarregados no Brasil, o risco para a população é considerável.
Os benefícios além da estética
Modernizar a infraestrutura traria vantagens além da estética. A mais importante delas é a confiabilidade do sistema. Na Europa, consumidores ficam, em média, apenas 12,2 minutos por ano sem energia, enquanto no Brasil esse tempo já ultrapassa 10 horas anuais. Isso reflete o investimento em redes subterrâneas e na manutenção adequada.
Com o enterramento dos cabos, as ruas se tornam mais organizadas e seguras. As árvores podem crescer sem podas drásticas, e a paisagem urbana tende a valorizar imóveis e atrair turistas, resultando em um impacto positivo na economia local. Portanto, além da questão estética, a inércia em adotar um modelo mais moderno representa a perda de uma oportunidade para construir um futuro mais seguro e eficiente nas cidades brasileiras.