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Cidade mais chuvosa do Brasil e seu enigmático ‘Stonehenge’

Calçoene é uma cidade que, localizado no extremo norte do Amapá, está cheia de surpresas e quebrou alguns recordes. Considerada a cidade mais chuvosa do Brasil, esse título não é só fachada. Um estudo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) analisou dados de mais de 400 estações meteorológicas e confirmou que a precipitação por lá ultrapassa os 4.000 milímetros ao ano, o que é três vezes mais do que em cidades como São Paulo.

Mas não é apenas a água que importa. Calçoene guarda um tesouro ancestral chamado Parque Arqueológico do Solstício. Conhecido como o “Stonehenge Amazônico”, esse complexo megalítico tem por volta de 2 mil anos e revela uma civilização avançada que aprendeu a observar os astros para entender e prever as marés da documentação da natureza, especialmente a chegada das intensas chuvas.

O dilúvio anual: como Calçoene se tornou o epicentro da chuva no Brasil

A confirmação de que Calçoene é o centro das chuvas no Brasil veio de uma pesquisa rigorosa da Embrapa. Esta análise desmistificou a crença de que a Serra do Mar em São Paulo era a área mais úmida do país. A pesquisa se baseou em mais de 30 anos de dados, conferindo credibilidade ao resultado. A média de chuvas em Calçoene chega a mais de 4.000 mm, e houve anos em que esse valor chegou a quase 7.000 mm, como em 2000.

Essa intensa chuva é resultado de um fenômeno meteorológico significativo. A localidade, perto da linha do Equador, é influenciada pela Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). Isso, somado à vasta umidade liberada pela Floresta Amazônica, gera um “Inverno Amazônico” impressionante. De janeiro a junho, são mais de 25 dias de chuva ao mês, com a umidade relativa do ar podendo chegar a 90%. Essas condições se assemelham às florestas tropicais do Sudeste Asiático.

Os monólitos e os mistérios do Parque Arqueológico

Na zona rural de Calçoene, um monumento intrigante se destaca: o Parque Arqueológico do Solstício. Composto por 127 monólitos de granito, alguns chegando a 4 metros de altura, essa estrutura tem um diâmetro de cerca de 30 metros. Pesquisadores do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (IEPA) e do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) estão envolvidos na investigação de seus mistérios.

Essas pedras são conhecidas por cientistas desde o século XIX, mas ganharam maior notoriedade no início dos anos 2000, quando moradores locais, como Lailson da Silva, começaram a descobrir as rochas enquanto limpavam terrenos. Escavações revelaram não só o círculo de pedras, mas também urnas funerárias de cerâmica refinada, indicando que o lugar também funcionava como cemitério sagrado. Alguns desses objetos têm semelhanças com a famosa cerâmica Marajoara, o que ajuda a entender a cultura de seus construtores.

A ciência por trás dos monólitos: astronomia para sobreviver

Os especialistas acreditam que o principal propósito do monumento era atuar como um sofisticado observatório astronômico. As pedras são dispostas de forma a se alinhar com a trajetória do Sol durante o solstício de inverno. Em um dia específico, um dos monólitos de 3 metros fica perfeitamente alinhado com o Sol ao meio-dia, a ponto de não projetar sombra. Isso mostra um conhecimento avançado sobre astronomia.

Esse calendário de pedra tinha um papel fundamental para a comunidade: ele marcava o início da estação chuvosa, essencial para a agricultura. Com essa informação, os habitantes podiam se preparar, decidindo quando plantar e colher. O controle desse conhecimento provavelmente aumentava o poder político e religioso de quem dirigia o observatório, permitindo uma organização comunitária mais eficaz.

Quem foram os construtores? O povo que desafiou a floresta

Pesquisas de datação by radiocarbono estimam que o “Stonehenge Amazônico” tenha entre 1.000 e 2.000 anos. Embora a identidade dos construtores ainda seja um mistério, análises de cerâmica sugerem que foram povos locais, desafiando teorias que afirmavam que civilizações avançadas migraram de regiões como os Andes ou o Caribe. Os construtores do monumento eram, de fato, uma cultura autenticamente amazônica, possivelmente antepassados dos indígenas Palikur, que ainda vivem na região.

Calçoene é uma prova concreta que desafia a ideia de uma Amazônia sem história. O monumento indica que a floresta não era apenas um ambiente hostil, mas um lugar onde as pessoas prosperaram ao estudar seu funcionamento e desenvolveram tecnologias e conhecimentos para viver em harmonia com seu espaço. Essa cidade nos ensina sobre a capacidade humana de adaptação e inovação, uma herança que resiste ao tempo.

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