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Cidade histórica do Brasil sedia maior festival de cinema ao ar livre

No coração do Brasil, escondida entre as montanhas da Serra Dourada, existe uma cidade histórica onde o tempo parece desacelerar. Durante uma semana do ano, esse lugar se transforma em um vibrante centro de debates sobre o futuro do nosso planeta. Essa é a Cidade de Goiás, também conhecida como Goiás Velho, que se torna um grande palco para o Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA).

Considerado o maior festival de cinema ambiental da América Latina, o FICA se destaca não só pelo número de produções que apresenta, mas pela sua habilidade única de unir um cenário reconhecido como Patrimônio Mundial às discussões mais inovadoras sobre ecologia. O festival não utiliza a cidade apenas como um pano de fundo; ele se entrelaça com a história, a arquitetura e a cultura local, criando um espaço onde o passado se funde ao futuro, instigando reflexões sobre o que podemos fazer para cuidar do nosso lar.

Um legado de ouro e arquitetura singular

Para entender como o FICA transforma essa cidade, é importante conhecer um pouco da sua história. Fundada no início do século XVIII por Bartolomeu Bueno da Silva Filho, o “Anhanguera”, a antiga Vila Boa de Goiás prosperou durante a corrida do ouro. De acordo com o IPHAN, a sua criação foi um marco na ocupação do interior do Brasil. A arquitetura da cidade, com construções em adobe e pau a pique, dá a ela uma identidade visual modesta, mas cheia de história.

Com o esgotamento das minas, a cidade acabou entrando em um processo de estagnação, especialmente após a transferência da capital para Goiânia em 1937. No entanto, essa lentidão foi uma bênção à sua maneira. Com menos pressão da modernização, Goiás conseguiu preservar mais de 90% da sua arquitetura colonial original, o que levou ao seu reconhecimento como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em 2001. Assim, a cidade aprendeu que seu maior tesouro não era o ouro que se foi, mas sim as histórias que permanecem gravadas em suas ruas.

Cora Coralina: a alma poética da cidade histórica

Goiás é também fortemente ligada à sua filha mais famosa, a poeta Cora Coralina. Nascida como Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, ela traduziu em versos a essência de sua cidade, escrevendo sobre o dia a dia, as ruelas e os doces que fazia para sobreviver. Publicando seu primeiro livro aos 76 anos, sua jornada reflete a própria cidade de Goiás: uma riqueza que demorou a ser reconhecida, mas cuja autenticidade continua a brilhar.

A ligação entre Cora e a cidade é tão intensa que, segundo a Agência Brasil, a sua vida e obra foram fundamentais para o dossiê que levou Goiás a ser reconhecida pela UNESCO. Seus versos humanizaram a narrativa histórica da região, dando voz ao patrimônio local. Atualmente, o Museu Casa de Cora Coralina, às margens do Rio Vermelho, é o principal ponto turístico da cidade, mantendo viva a memória dessa poetisa que se tornou um símbolo de sua terra.

FICA: uma consciência cinematográfica para o continente

Desde 1999, o FICA se consolidou como um evento cultural de importância global, servindo como plataforma para produções que abordam a relação entre a humanidade e o meio ambiente. O festival se posiciona como o maior e mais influente evento do gênero na América Latina, atraindo cineastas e ativistas de todos os cantos do mundo.

Os números mostram a credibilidade do festival. Em 2025, o FICA recebeu 1.446 inscrições de filmes de 88 países, demonstrando seu alcance global. A programação inclui mostras competitivas, como a Mostra Washington Novaes, que distribui prêmios significativos e incentiva um cinema engajado. Embora as exibições principais ocorram no histórico Cine Teatro São Joaquim, a verdadeira magia do festival está na maneira como ele ocupa e transforma a cidade histórica.

O FICA transforma cada esquina em seu palco principal. A Praça do Coreto e as ruelas de pedras viram cenários para intervenções culturais, recitais e performances. O centro histórico não apenas abriga o evento, mas também participa ativamente da narrativa do festival, criando um poderoso simbolismo que aproxima passado e presente.

Nesse processo, a cidade, que nasceu da exploração, agora se torna um centro de discussões sobre conservação. As pedras que um dia viram bandeirantes agora ouvem as vozes de líderes indígenas e cientistas. A criação de espaços como a Tenda Multiétnica dá voz a grupos historicamente marginalizados, tornando o festival um ato de correção histórica e um pontapé para novas ideias.

Além dos filmes: música, debate e impacto econômico

A energia do FICA se espalha muito além da tela. Uma das suas grandes atrações são os shows gratuitos com renomados artistas brasileiros. A programação de 2025 trouxe nomes como Zeca Baleiro e Os Paralamas do Sucesso, que atraíram multidões e transformaram os concertos em um portal de entrada para a pauta ambiental. Isso democratiza a mensagem do festival, alcançando públicos que talvez não fossem atraídos somente pela sétima arte.

Além disso, o evento promove um ambiente fértil para debates, recebendo nomes como o líder indígena Ailton Krenak. O impacto do FICA se estende por toda a região, fomentando a economia criativa com feiras, oficinas e experiências gastronômicas. O festival mostra que é possível realizar um evento de classe mundial fora do eixo Rio-São Paulo, cumprindo um papel importante na descentralização cultural do Brasil.

Um convite à história viva

A união entre a Cidade de Goiás e o FICA oferece um exemplo poderoso de como o patrimônio cultural pode ser ativado para enfrentar os desafios mais urgentes de nosso tempo. Goiás Velho nos ensina que o passado não é apenas um conjunto de relíquias, mas uma fonte viva que pode amplificar conversas sobre nosso futuro. Afinal, é preciso olhar para as pedras sob nossos pés para conseguir enxergar com clareza o horizonte à nossa frente.

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