Amara Moira apresenta ‘Neca’ na Flip 2025, em bajubá

A escritora Amara Moira lançou em 2024 o livro “Neca: romance em bajubá”, publicado pela Companhia das Letras. O objetivo da autora não é ofender ninguém, mas sim apresentar um dialeto utilizado por muitas travestis e pela comunidade LGBT nas ruas do Brasil. O livro, que já foi traduzido para inglês, alemão e espanhol, está chamando a atenção internacional e foi destacado na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), onde Amara participou de cinco mesas de discussões sobre temas como linguagem, sexualidade e seus novos projetos.
O bajubá, também conhecido como pajubá, é um dialeto que tem o português como base, mas que incorpora palavras de diferentes origens, incluindo termos do iorubá, do banto e de várias culturas europeias. Esse dialeto começou a se consolidar entre travestis de rua durante a ditadura militar nos anos 60 e 70, servindo como uma forma de proteção. Como a maioria das pessoas não compreende o que é dito em bajubá, ele proporciona um nível de segurança e privacidade.
Amara comenta que não acredita na necessidade de um glossário para o bajubá, pois considera essa língua como um aprendizado que ocorre através do convívio diário. No livro, ela brinca com essa ideia, permitindo que os leitores se familiarizem com o dialeto ao longo da leitura. “Se não entender, tudo bem! O português também possui muitas ambiguidades e palavras desconhecidas”, diz Amara, que é autora de outras obras, como “E se eu fosse puta” e “Vidas trans: a coragem de existir”.
Em “Neca”, que significa pênis em bajubá, o leitor acompanha uma conversa entre duas travestis, Simona e Amara, que falam sobre sua rotina na prostituição, questões de identidade de gênero, relacionamentos e as violências que enfrentam. A obra aborda temas como: “Cê acredita que ele pediu pra eu nenar na neca dele?”, e “Amor é palavra maldita, só serve pra fazer bicha sofrer e ficar pobre”, revelando as complexidades da vida dessas mulheres.
O livro traz uma série de palavras características do bajubá, como “ocó” (homem hétero), “edi” (ânus) e “alibã” (policial). Amara enfatiza que essa língua está em constante transformação e que a forma como ela a conheceu pode já estar desatualizada. “Se você sai da rua, deixa de se atualizar”, alerta a autora, que afirma que mesmo ela terá dificuldade em entender as novas expressões se não voltar a conviver com as travestis.
Amara destaca que “Neca” se distingue de sua obra anterior ao mostrar protagonistas que possuem uma ampla gama de experiências e sentimentos, incluindo preconceitos e rivalidades. “A forma como aprendi bajubá não foi ‘limpinha’, e as travestis de rua refletem isso em suas vivências”, explica. Ela reforça que o livro busca mostrar a beleza e a complexidade da vida dessas mulheres, incentivando uma nova visão sobre elas.
Vale lembrar que “xoxar” em bajubá significa “falar mal” ou “criticar alguém”.