A capital que flutua sobre as águas da Amazônia

No coração da Amazônia, onde os rios funcionam como verdadeiras vias de transporte, está Afuá, uma cidade bem especial. Embora não seja uma capital administrativa, Afuá, no Pará, se destaca como a capital brasileira de um modo de vida ribeirinho. Apelidada de “Veneza Marajoara”, a cidade é completamente erguida sobre palafitas, uma solução criativa para lidar com as constantes inundações da várzea amazônica. Por aqui, casas, escolas e comércios flutuam sobre as águas, todos interligados por uma rede de passarelas de madeira.
Outra curiosidade legal é a proibição de carros e motos. Isso mesmo! Afuá é conhecida também como a “Amsterdã dos Trópicos”, onde a mobilidade se dá apenas por bicicletas e bicitáxis. O som que reina por aqui é o das correntes das bicicletas e dos remos nas canoas. Mas, nem tudo são flores. A cidade enfrenta um grave problema de saneamento básico e é considerada uma das mais vulneráveis do Brasil às mudanças climáticas.
Urbanismo e Adaptação
O jeito como Afuá se construiu é um exemplo impressionante de como o ser humano pode se adaptar ao que parece difícil. Toda a cidade repousa sobre estacas de madeira, com passarelas a 1,20 metro do solo, essencial para lidar com as marés e as cheias que marcam as estações. Para manter esse sistema, é necessário um conhecimento tradicional que é passado de geração para geração, envolvendo as melhores madeiras e técnicas que resistem à força das águas.
Essa abordagem mostra uma “consciência espontânea” dos moradores, que preferiram trabalhar com o que a natureza oferece em vez de tentar dominá-la. No lugar de aterros e diques, optaram por construir sobre a água, uma escolha que garantiu sua sobrevivência por mais de um século. No entanto, há uma preocupação crescente com a opção de usar concreto nas passarelas, que retém calor e prejudica a drenagem, tornando a cidade mais vulnerável.
Mobilidade sem Motores
A vida em Afuá é uma verdadeira sinfonia de pedais. Sem veículos motorizados, as bicicletas são o carro-chefe da mobilidade local, promovendo uma cultura de engenhosidade. Os bicitáxis, uma fusão de duas bicicletas, são utilizados para transportar tanto passageiros quanto cargas. Além deles, a “bicilância” é uma adaptação para emergências, equipada com maca e oxigênio.
Esse estilo de transporte vai além de ser uma solução ecológica: ele fortalece a economia local. O dinheiro que poderia ser gasto em combustíveis se reinveste na comunidade, ajudando artesãos e mecânicos. E mais, a interação nos deslocamentos diários não só transforma o ato de se mover em um evento social, mas também conecta Afuá às áreas rurais através dos rios, que continuam a ser essenciais para o transporte regional.
O Paradoxo da Sustentabilidade
A economia de Afuá depende muito dos recursos naturais, como o açaí e a pesca de camarão. Essa dependência traz um forte incentivo para a conservação, já que a saúde do rio e da floresta está diretamente ligada ao bem-estar da comunidade. Mas, por trás dessa fachada sustentável, há uma realidade alarmante. 99,4% da população não tem acesso a tratamento de esgoto, e os resíduos frequentemente vão parar nas mesmas águas que sustentam a vida da cidade.
Embora Afuá tenha um dos maiores índices de desenvolvimento humano (IDH) da região, sua renda per capita é uma das mais baixas do Brasil. As moradias, em sua maioria, são consideradas inadequadas. Essa dualidade, entre um avanço “verde” no transporte e uma falha “marrom” no saneamento básico, revela a complexidade do que é ser verdadeiramente sustentável.
A Crise das Águas
A interação de Afuá com o meio ambiente está em risco. Considerada o município costeiro mais vulnerável do Pará às mudanças climáticas, a cidade enfrenta a desestabilização do “calendário natural das águas”. Os ciclos de cheia e seca, que antes eram previsíveis, agora tornam-se erráticos, complicando o planejamento agrícola e pesqueiro.
Os efeitos disso já estão sendo sentidos. Recentemente, a cidade passou por fases extremos, com cheias menores do que o normal seguidas de secas severas. O fato de não haver um plano de adaptação climática robusto é preocupante, já que o conhecimento adquirido por gerações está perdendo sua relevância diante de um cenário em rápida mudança.
O Futuro de Afuá
Afuá é um mix fascinante de sustentabilidade e desigualdade. Enquanto a cidade mantém uma pegada de carbono quase nula, está no olho do furacão de uma crise climática que não causou. A resiliência e a criatividade da população são admiráveis, mas podem não ser suficientes diante de uma falha sistêmica que precisa de atenção urgente. A história de Afuá serve como um lembrete das complexidades que envolvem o desenvolvimento sustentável em um mundo que enfrenta desafios sem precedentes.