A ‘capital dos anões’ no Brasil e a questão do crescimento

Com uma população marcada por uma condição genética rara, Itabaianinha, em Sergipe, se tornou popularmente conhecida como a “Cidade dos Anões”. Essa fama não é à toa. Durante décadas, o município atraiu a atenção do Brasil e do mundo por concentrar um número surpreendente de pessoas com nanismo. E tudo começou no povoado de Carretéis, uma comunidade rural onde a história teve início.
O que acontece em Itabaianinha está ligado à Deficiência Isolada do Hormônio do Crescimento (DIGH). Essa condição hereditária é causada por uma mutação genética que impede a produção do hormônio do crescimento. Ao contrário de outras formas de nanismo, quem tem DIGH mantém proporções corporais normais, resultando em alturas que variam entre 105 e 135 centímetros.
Em Carretéis, o que contribuiu para a disseminação dessa mutação foram o isolamento geográfico e os casamentos entre parentes. Em um determinado momento, a incidência dessa condição chegou a 1 em cada 32 habitantes. Estima-se que, ao longo de oito gerações, mais de 130 pessoas tenham nascido com essa característica, tornando a situação única do ponto de vista médico e demográfico.
Reconhecimento na mídia e na cultura popular
A história de Itabaianinha ganhou destaque na mídia nacional e internacional principalmente nas décadas de 1980 e 1990. Em 1993, a CNN produziu um documentário sobre a cidade, que abriu espaço para que a realidade dos moradores, marcada por diferenças, mas também por resiliência, fosse mostrada ao mundo.
Um visitante especial, o italiano Marco Sanvoisin, descreveu as pessoas da cidade com nanismo como “criaturas doces e diferentes, que parecem ter saído de um livro de fadas”. Além disso, o reconhecimento da cidade chegou à música. A banda sergipana Siri Mania lançou a canção “Sou de Itabaianinha”, celebrando com orgulho a identidade local.
Vidas ativas e histórias de superação
Apesar das dificuldades enfrentadas diariamente, a população com nanismo em Itabaianinha sempre demonstrou uma enorme resiliência. Muitas pessoas da comunidade exercem profissões como professores, artesãos e feirantes. Alguns, como Dona Pureza, fizeram história ao se casar com um homem de estatura média. Ela compartilhou sua alegria: “Eu queria ter uma família, e graças a Deus consegui”.
Nos últimos anos, a cidade passou por diversas mudanças. O número de novos casos de nanismo diminuiu, graças ao uso do hormônio do crescimento e avanços no diagnóstico precoce. Essas transformações, juntamente com políticas públicas e mudanças culturais, impactaram a demografia da região. Hoje, crianças que antes herdariam a mutação estão crescendo com alturas médias, alterando a imagem tradicional de Itabaianinha.
Memória preservada e desafios atuais da cidade
Com esses novos desafios, surgiu a necessidade de preservar a memória da cidade. Isso se concretizou, por exemplo, com o projeto de lei nº 02/2020 da vereadora Lêda Maria Dantas, que busca reconhecer oficialmente a importância cultural da comunidade com nanismo. Outro exemplo é a monografia de Cleiton dos Santos, que oferece uma análise profunda sobre a questão. O historiador Jacques Le Goff foi lembrado: “O passado precisa ser salvo para servir ao presente e ao futuro”.
Apesar das iniciativas, os moradores ainda enfrentam obstáculos, como a falta de acessibilidade e a exclusão do mercado de trabalho. Clécio, um habitante local, expressa sua preocupação: “Nós deveríamos ser mais lembrados pelas autoridades, principalmente quando se trata de emprego”.
Contudo, o legado de Itabaianinha continua firme. A cidade se destaca não apenas por sua peculiaridade genética, mas também por mostrar ao mundo como uma comunidade pode transformar uma condição rara em um símbolo de identidade, coragem e superação. A história de seus moradores permanece viva, refletindo dignidade e orgulho.