Da Bahia ao Rio: a história das 813 favelas no Brasil

O Rio de Janeiro é uma cidade marcada por um cenário que impressiona a todos: o contraste entre luxo e pobreza. Em um mesmo espaço, você encontra o Leblon, o bairro mais caro do Brasil, onde o metro quadrado chega a R$ 28 mil. Logo ao lado, estão comunidades como Vidigal e Rocinha, onde o valor do metro quadrado cai para R$ 4 mil. Esse abismo, tanto geográfico quanto social, se tornou uma característica marcante da cidade. Afinal, são 813 favelas que fazem parte da paisagem carioca.
Dados recentes mostram que o número de favelas na região metropolitana do Rio não para de crescer. Em 2010, eram 763. Essa situação desafia autoridades e especialistas, levantando uma pergunta que não quer calar: por que existem tantas favelas no Rio de Janeiro?
A favela nasceu da guerra: o elo entre Canudos e o Rio de Janeiro
Para entender as comunidades cariocas, é preciso voltar ao final do século XIX, no sertão da Bahia. Depois da queda da monarquia e da Proclamação da República, o Brasil buscava firmar seu poder. Nesse cenário, surge Canudos, um assentamento formado por camponeses e ex-escravizados que queriam viver sem a interferência do governo e sem impostos. Em pouco tempo, o lugar cresceu e chegou a abrigar 25 mil pessoas — mais do que algumas capitais da época.
Contudo, o governo via o movimento como uma ameaça. Em 1897, enviou 10 mil soldados para destruir Canudos, resultando em um massacre que deixou poucos sobreviventes. Quando esses combatentes voltaram para o Rio de Janeiro, já então a capital do país, esperavam recompensas, como terras e indenizações. O que receberam foi um vazio: sem moradia e sem trabalho, acabaram ocupando um morro próximo ao centro, onde construíram barracos improvisados. Assim nasceu o Morro da Favela, nome inspirado na planta que crescia em Canudos.
Esse primeiro aglomerado urbano precário não surgiu por opção, mas por abandono estatal. E essa realidade se espalhou e se perpetuou por décadas.
Crescimento desordenado e expulsão dos pobres
No início do século XX, o Rio de Janeiro já era a cidade mais populosa do Brasil. Em 1900, contava com 811 mil habitantes, enquanto São Paulo somava apenas 239 mil. Com o crescimento de avenidas e bondes, as elites foram se concentrando no centro e na zona sul, enquanto os trabalhadores eram empurrados para os morros.
A geografia ajudou nesse processo. O Rio, assim como outros estados, tem limitações naturais para sua expansão. A serra à beira do litoral impediu um crescimento horizontal, restringindo a urbanização entre o mar e os morros.
Durante as décadas de 1930 e 1940, o governo demoliu cortiços e moradias populares em nome da modernização do centro. Sem opções, milhares de famílias mudaram-se para os morros. Foi nesse contexto que surgiriam comunidades como Morro do Cantagalo, Morro do Borel, e, mais tarde, a Rocinha, que é hoje a maior favela do Brasil.
Migração em massa, desigualdade e o retrato do Rio moderno
Com a industrialização do Brasil e o êxodo rural que ocorreu entre as décadas de 1940 e 1970, muitos brasileiros deixaram o campo em busca de emprego. O Rio, como centro político e econômico, atraiu um número enorme de pessoas. Nordestinos, mineiros e fluminenses do interior chegaram à cidade, mas encontraram um lugar caro e sem infraestrutura.
A falta de políticas habitacionais ocasionou um aumento populacional nas favelas. Durante os anos 1960 e 1970, comunidades como Jacarezinho, Maré, Cidade de Deus e Vila Kennedy se formaram e se consolidaram. O governo tentava implementar programas de remoção e urbanização, mas sem sucesso. Cada despejo resultava em novas ocupações, alimentando um ciclo de exclusão.
Atualmente, cerca de 20% dos moradores do Rio vivem em favelas. Em lugares como Rocinha, Maré, Vidigal e Complexo do Alemão, a densidade populacional ultrapassa 60 mil habitantes por km². Enquanto as favelas ocupam apenas 7% da área urbanizada, elas abrigam quase um quarto da população carioca.
O legado: a favela como parte da identidade carioca
Com o passar do tempo, as favelas se consolidaram como parte intrínseca da identidade do Rio de Janeiro. Elas influenciam não apenas a cultura e a economia, mas também a dinâmica social da cidade. A convivência entre riqueza e carência é uma constante no cotidiano carioca, onde os apartamentos luxuosos da zona sul contrastam com a vivacidade dos morros.
Hoje, o Rio ainda vê a soma de favelas aumentando, reflexo direto da desigualdade, da falta de políticas públicas e da geografia que restringe o desenvolvimento da cidade. O Rio é um retrato vívido da história do Brasil — uma nação que nasceu com a promessa de liberdade, mas onde muitos ainda lutam por um espaço digno para chamar de lar.



