Totoaba mexicana: peixe raro chega a US$ 80 mil por quilo

Nas águas cristalinas do Golfo da Califórnia, um peixe que muitos talvez nunca tenham ouvido falar está no centro de uma grande crise ambiental. A totoaba é uma espécie de grande porte que pode atingir até dois metros e pesar mais de 100 quilos. Embora tenha sido pescada por séculos para o consumo local, nos últimos anos, ela virou alvo de um contrabando bilionário.
A razão por trás desse comércio? A sua bexiga natatória, que os pescadores chamam de buche. Esse órgão é considerado uma iguaria na China e um ingrediente medicinal muito valorizado. No mercado negro asiático, a bexiga da totoaba pode custar de US$ 20 mil a US$ 80 mil por quilo, valores que superam até o preço do ouro e da cocaína.
Como a vaquita entrou na história
O problema da pesca ilegal da totoaba vai muito além da espécie em si. Essa prática tem consequências devastadoras para o mamífero marinho mais ameaçado do planeta: a vaquita marinha. Essa pequena toninha, que é parente dos golfinhos, mede cerca de 1,5 metro e vive numa área restrita do norte do Golfo da Califórnia. Hoje, existem menos de 20 vaquitas ainda em liberdade, segundo dados de organizações de conservação.
A vaquita não é caçada diretamente. Sua vida está ameaçada pelas redes de emalhe ilegais colocadas para pegar totoabas. Essas redes funcionam como armadilhas invisíveis, capturando não só as totoabas, mas também vaquitas, tartarugas e outras espécies. O afogamento é um destino certo para as vaquitas, que precisam voltar à superfície para respirar.
Um mercado clandestino global
O comércio de totoabas opera como um verdadeiro esquema de tráfico internacional. Veja como funciona:
Pesca ilegal: pescadores, muitas vezes em situação de vulnerabilidade econômica, arriscam suas vidas utilizando redes proibidas.
Intermediários: eles compram as bexigas por preços que variam de US$ 1.000 a US$ 2.000.
Exportação clandestina: essas bexigas seguem rotas ilegais até os Estados Unidos e depois para o mercado asiático, com destaque para Hong Kong.
- Mercado asiático: na China, a bexiga é revendida a preços altos, podendo chegar a US$ 80 mil por quilo em leilões clandestinos.
Informações reveladas pela Interpol e a CITES, que trata sobre o comércio internacional de espécies ameaçadas, mostram que o tráfico de totoaba movimenta valores comparáveis ao do comércio ilegal de marfim e barbatanas de tubarão.
Impactos locais no México
O comércio ilegal da totoaba vai além da ameaça à biodiversidade; ele também impacta as comunidades costeiras do Golfo da Califórnia. O setor pesqueiro legal, que depende de espécies como camarões e peixes comerciais, sofre com a concorrência desleal das redes ilegais, que destroem o ecossistema marinho.
E a situação ainda é complicada pela entrada do crime organizado nesse negócio. Cartéis de drogas começaram a controlar parte do comércio da totoaba, buscando lucros em um setor com menos riscos jurídicos. Para as comunidades locais, a realidade é um desafio constante: equilibrar a necessidade econômica com os perigos da criminalidade organizada.
Tentativas de proteção e resistência
O governo mexicano tem tentado agir de várias formas para conter essa crise. Algumas das medidas incluem:
Criação da Reserva da Biosfera do Alto Golfo da Califórnia, em 1993.
Proibição total da pesca da totoaba, que é considerada uma espécie ameaçada.
Banimento das redes de emalhe, que são responsáveis pela morte acidental de vaquitas.
- Fiscalizações conjuntas com a Marinha mexicana, para apreender embarcações ilegais.
Apesar desses esforços, a eficácia das ações tem sido limitada. O alto valor da bexiga atrai pescadores a continuar arriscando, e mesmo após operações de retirada de redes pela ONG Sea Shepherd, muitas continuam sendo reinstaladas.
A pressão internacional
O problema da totoaba e da vaquita não é apenas uma questão mexicana, mas uma preocupação global. Em 2018, os Estados Unidos até suspenderam a importação de frutos do mar de certas regiões do México por não cumprimento de normas ambientais.
A União Europeia e a ONU também pressionaram o governo mexicano a intensificar as medidas de proteção. Organizações como WWF e Sea Shepherd já alertam que, se nada for feito rapidamente, a extinção da vaquita pode acontecer em poucos anos. Um relatório recente do CIRVA é bem claro: “eliminemos a pesca ilegal da totoaba ou perderemos a vaquita para sempre”.
Um símbolo do conflito global entre tradição e conservação
A crise envolvendo a totoaba lança luz sobre um dilema maior: até que ponto tradições culturais podem justificar a destruição de espécies? Na China, alguns defendem que a bexiga tem valor medicinal e é parte de uma tradição milenar. Para ambientalistas, essa prática é insustentável e feroz.
A vaquita tornou-se um símbolo de uma batalha desigual. Um animal que viveu milhões de anos sem contato humano agora depende da ação conjunta de governos e ONGs. Tentativas de captura para evitar a extinção foram frustradas, já que as vaquitas respondem mal ao estresse. A única solução viável continua sendo a eliminação total da pesca ilegal na região, pois, com menos de 20 indivíduos vivos, cada nova morte é um golpe arrasador.
Um alerta para o planeta
A história da totoaba e da vaquita vai além de ser uma tragédia local; é um exemplo claro de como o comércio ilegal de fauna pode impactar o mundo inteiro. Se a vaquita desaparecer, será um dos poucos mamíferos marinhos a se extinguir por ação humana neste século, mostrando que é preciso mais do que criar leis; é necessário garantir sua implementação em escala global.