Rodovia bilionária vira cemitério de máquinas na selva

A imagem de uma rodovia bilionária atravessando a selva amazônica, para “ligar nada a lugar nenhum”, virou um verdadeiro símbolo do planejamento no Brasil. Mas essa história não se resume a uma única estrada; na verdade, é a junção de dois projetos grandiosos: a Transamazônica (BR-230) e a BR-319 (Manaus-Porto Velho). Essas estradas formam o que muitos chamam de “Cicatriz de Concreto” na floresta, um lembrete do impacto humano nesse ecossistema tão rico.
A Transamazônica, um projeto ambicioso que drenou recursos valiosos, se opõe à BR-319, que hoje é vista como um legado fantasma. Essa última ficou praticamente “engolida pela vegetação”, de acordo com quem já passou por ali, e agora enfrenta um novo dilema: a expectativa de sua reconstrução está acelerando o desmatamento, segundo relatos da Mongabay.
O nascimento do “cemitério de máquinas”: a BR-230
Essa história começa nos anos 1970, durante o Regime Militar, quando surgiu o lema “Integrar para não Entregar”. O foco na Rodovia Transamazônica (BR-230) refletia uma ambição geopolítica, onde a ideia era ocupar a Amazônia não apenas para o desenvolvimento econômico, mas como forma de soberania. O objetivo era claro: “rasgar a selva” e fixar a presença do Estado na região.
É verdade que o custo desse projeto explodiu. A BR-230 se tornou a rodovia bilionária original, e o desperdício de recursos foi colossal. Registros de 1975 mostram que a oposição na época se referia a ela como um “cemitério de máquinas”, uma crítica à grande quantidade de equipamentos abandonados e à ineficiência do projeto.
Enquanto a BR-230 simboliza um fracasso metafórico, a BR-319 (Manaus-Porto Velho) representa um fracasso literal. Inaugurada em 1976, essa estrada tinha como missão conectar o Amazonas ao restante do Brasil, mas não durou muito. Por falta de manutenção em uma região tão hostil, tornou-se intransitável em apenas uma década, sendo completamente abandonada em 1988.
Atualmente, a BR-319 é um retrato da estrada engolida pela vegetação. Viagens pelo “trecho do meio” são um desafio: centenas de quilômetros sem postos de gasolina ou sinal de celular. O asfalto desapareceu, restando apenas atoleiros que podem transformar uma viagem de horas em um teste de resistência que chega a durar até 40 horas, dependendo da ajuda de outros viajantes.
O dilema atual: reabrir a cicatriz ou salvar a floresta?
Por décadas, o abandono da BR-319 trouxe um impacto ambiental inesperado. A intransitabilidade da estrada funcionou como uma barreira natural, protegendo uma das áreas mais intactas de floresta tropical do mundo. Porém, para as comunidades isoladas que vivem ao longo da rota, a estrada simboliza abandono estatal. Para elas, reabrir a via significa dignidade, acesso à saúde e suprimentos essenciais.
Agora, estamos diante de uma questão delicada. O debate sobre a repavimentação da BR-319 está em alta, mas a Mongabay aponta uma preocupação: o desmatamento já começou, mesmo antes de qualquer obra. A expectativa de que a estrada será reaberta está fomentando a grilagem de terras e uma especulação imobiliária alarmante. Com isso, o desmatamento na área impactada pela rodovia aumentou em 41% em 2021, revelando que ressuscitar essa “cicatriz” pode desencadear um colapso ambiental.
Um conflito sem vencedores?
A história da rodovia bilionária é uma narrativa de duas faces: a ambição da BR-230, que consome fortunas e se torna um “cemitério de máquinas”, e o abandono da BR-319, agora “engolida pela selva”, que nos coloca no meio de um dilema trágico. De um lado, está a necessidade de conectar as comunidades; do outro, o risco real de devastação ambiental.
Esse debate é complexo e gera opiniões diversas. Por um lado, há o desejo das pessoas por acesso e dignidade; por outro, a proteção da floresta. O que se faz necessário aqui é refletir sobre qual caminho seguir.



