Em 2025, brasileiros preservam a arte do adobe com milênios de história

As primeiras construções da humanidade apareceram muito antes da popularização do cimento e da alvenaria como conhecemos hoje. Há cerca de 9 mil anos, algumas comunidades na Mesopotâmia e no Vale do Indo já moldavam blocos de terra crua misturada com palha e água, que secavam ao sol e eram chamados de tijolos de adobe. Essa técnica simples foi fundamental para erguer cidades inteiras e fortalecer a estrutura de moradias em climas áridos.
No Egito Antigo, essa mesma técnica se destacou em vilas e muralhas, embora vários edifícios especiais utilizassem tijolos queimados. Culturas das Américas pré-colombianas, como os maias e incas, também incorporaram o adobe ao seu cotidiano, adaptando a técnica aos materiais disponíveis.
O que realmente revolucionou a arquitetura foi a queima do barro em fornos rudimentares. Esse processo transformava o adobe em um material mais resistente e à prova d’água, conhecido como tijolo cozido, que rapidamente se espalhou pelo Império Romano e, depois, por toda a Europa. No Brasil, o adobe chegou com os portugueses e, embora tenha sido amplamente usado nas áreas rurais e nas cidades coloniais, a urbanização do século XIX fez com que o tijolo cozido se tornasse mais popular, especialmente no Nordeste.
Atualmente, ainda há locais, principalmente no Nordeste, onde o tijolo cozido é utilizado. Ele é uma alternativa mais acessível na construção civil, principalmente em áreas mais quentes e secas.
A construção com terra nunca saiu de cena. De fato, ela oferece economia financeira ao utilizar materiais disponíveis no próprio terreno e contribui com a sustentabilidade ambiental. Esse método requer menos energia na fabricação e o resultado final proporciona conforto: casas de terra tendem a manter uma temperatura agradável, permanecendo frescas durante o calor e acolhedoras em dias frios.
O que é o tijolo de adobe
Os tijolos de adobe são feitos de uma mistura de terra, palha e água, moldada em formas de madeira. Após secarem ao sol, esses blocos funcionam como tijolos convencionais e não necessitam de pilares, pois suportam coberturas inteiras. Eles são semelhantes ao tijolo ecológico, mas diferem no fato de não conter cimento e serem moldados manualmente, sem o uso de maquinário.
Enquanto o tijolo ecológico geralmente tem furos internos para permitir a passagem de canos, o adobe é um bloco sólido e mais simples.
Como se faz o tijolo de adobe
A fabricação do adobe mantém métodos quase idênticos desde a Antiguidade. Primeiro, mistura-se a terra com palha e, em seguida, adiciona-se água de forma controlada, até que a massa esteja no ponto ideal.
Quando a mistura não está nem muito molhada nem seca demais, é colocada no molde e deixada secar ao sol por alguns dias. A qualidade da terra é crucial: se for muito arenosa, o bloco desmorona; se for excessivamente argilosa, perde resistência. O equilíbrio ideal é uma terra levemente úmida, com grãos de areia pequenos e perceptíveis ao toque.
Não existe uma fórmula exata para a quantidade de água, mas o ideal é que a marca do pé fique bem definida na mistura, sem escorrer ou esfarelar. Um molde típico tem cerca de 30 cm de comprimento, 14 cm de largura e altura, resultando no tamanho final do tijolo.
Exemplos históricos no Brasil
Cidades históricas do Brasil ainda guardam construções feitas de adobe, como é o caso de Ouro Preto (MG) e Pirenópolis (GO), onde casarões coloniais sustentam essa herança técnica. O adobe é um material ecológico e econômico, capaz de regular a temperatura interna e que pode ser reciclado — basta triturá-lo e umedecê-lo para reverter ao estado original.
Porém, ele exige cuidados. Em áreas úmidas, o adobe cru tende a se desintegrar com facilidade, o que restringe seu uso a regiões mais secas.
Vantagens e desvantagens do adobe
Entre as principais vantagens do adobe, destacam-se a sustentabilidade, a economia e o conforto térmico. Ele consegue absorver até 30 vezes mais umidade que o tijolo cozido, criando um ambiente naturalmente equilibrado.
Por outro lado, suas desvantagens incluem a fragilidade diante da chuva e da umidade. Além disso, não é indicado para construções de mais de um andar, e pode rachar durante a secagem. Manter os blocos levemente úmidos pode ajudar a minimizar esses problemas.
Do adobe ao tijolo cozido
A evolução do adobe cru para o cozido surgiu como uma solução prática para as limitações do barro em regiões chuvosas. Ao queimar os blocos em fornos, o material se transforma em cerâmica, o que garante maior durabilidade.
Na Mesopotâmia e no Vale do Indo, registros de cerca de 3.000 a.C. já documentavam o uso de tijolos cozidos em templos e sistemas de drenagem. No Egito, o adobe era comum, mas algumas construções especiais foram feitas com tijolos queimados.
O Império Romano elevou a técnica ao padronizar medidas e expandiu o uso do tijolo cozido em aquedutos, termas e muralhas. Após a queda de Roma, essa técnica perdeu força, mas ressurgiu durante o Renascimento em regiões com escassez de pedra, como na Holanda e na Alemanha.
Expansão para o Brasil
Quando os portugueses trouxeram os tijolos cozidos para o Brasil, o adobe ainda dominava as áreas rurais e vilas. A popularização do tijolo cozido se consolidou apenas no século XIX, impulsionada pela urbanização, que pedia maior resistência e uniformidade.
No Nordeste, a troca foi ainda mais evidente. As chuvas repentinas do sertão mostraram as vantagens do barro queimado, resultando em sua adoção em muitas comunidades.
Processo do tijolo cozido
A produção artesanal de tijolos cozidos segue etapas bem definidas:
Preparação da argila – Essa argila, extraída de várzeas e margens de rios, é deixada em descanso e amassada, muitas vezes com areia.
Moldagem – A massa é colocada em formas de madeira, prensada e desenformada, resultando no "tijolo cru".
Secagem ao sol – Os blocos ficam de 3 a 10 dias secando, sendo virados periodicamente para evitar rachaduras.
- Queima em fornos – Os tijolos empilhados são queimados a temperaturas entre 800 °C e 1.000 °C por alguns dias, transformando o barro em cerâmica.
No Nordeste, existem três tipos principais de fornos para essa queima:
Caieira: simples e barato, mas menos uniforme.
Abóbada ou colmeia: fechado, permitindo melhor controle térmico.
- Hoffmann: mais moderno e contínuo, mas utilizado apenas em fábricas maiores.
O tijolo cozido superou o adobe em aspectos fundamentais. Ele resiste melhor à chuva, suporta maiores cargas estruturais e apresenta medidas padronizadas, podendo ser utilizado tanto com um acabamento aparente quanto revestido.
Entretanto, a produção artesanal ainda enfrenta desafios ambientais. A queima consome grandes quantidades de lenha, que frequentemente vem de matas nativas, liberando fumaça e partículas na atmosfera, o que torna a produção mais custosa em comparação ao adobe.
Embora o tijolo cozido domine a construção civil no Brasil, há um crescente movimento em prol do resgate do adobe cru e da bioconstrução. Essa busca por alternativas sustentáveis traz a terra de volta ao centro do debate, equilibrando tradição e inovação.