Eleições com 60 votos e Wi-Fi grátis na menor cidade do Brasil

Na menor cidade do Brasil, a democracia se mistura com o cotidiano de uma forma bem peculiar. Serra da Saudade, que tinha 833 habitantes segundo o Censo de 2022, é um exemplo interessante: por lá, um vereador pode ser eleito com apenas 60 votos. Desde 2011, a cidade oferece Wi-Fi gratuito para todos, e, se isso não bastasse, a segurança é tão sólida que não há registro de homicídios há décadas. Em resumo, é um lugar onde as decisões públicas se sentem na pele de todos, e a conectividade ajuda a combater o isolamento que a região enfrenta.
Esse microcosmo traz à tona algumas escolhas e desafios. A administração pública é o principal empregador, enquanto a economia privada ainda é pequena. Além disso, a saída de jovens da cidade pode afetar seu futuro demográfico. Mas, em meio a isso, a cohesão comunitária e a infraestrutura básica oferecem um padrão de vida estável. Vamos entender quem decide as questões locais, o impacto de cada voto, onde estão os gargalos e por que a internet se tornou uma prioridade na política local.
Onde fica e quem vive ali
Serra da Saudade está situada no Centro-Oeste de Minas Gerais, a cerca de 270 quilômetros de Belo Horizonte. Com uma área de 335,659 km², é maior que a própria capital mineira, mas a densidade populacional é de apenas 2,48 habitantes por quilômetro quadrado. Isso explica a impressão de estar perto da cidade e, ao mesmo tempo, longe do campo.
A vida urbana se concentra em dois bairros: Centro e São Geraldo. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) era de 0,677 em 2010, com escolarização de 100% entre crianças de 6 a 14 anos, o que é aplaudido, especialmente para um município de pequeno porte. A população é dinâmica, com o cartório local registrando 831 moradores em meados de 2024 e uma estimativa de 856 habitantes para 2025. Essa oscilação é comum em cidades pequenas, onde um nascimento ou falecimento pode alterar os números de forma significativa.
Política em escala mínima: mandato de 60 votos
Em Serra da Saudade, a política local funciona como um aquário institucional. Aqui, cada voto pesa de forma significativa, e a relação entre eleitos e eleitores é bastante próxima. Nas eleições municipais de 2024, Neusa Maria Ribeiro (PP) conquistou a prefeitura, e a Câmara de Vereadores está composta por nove cadeiras — cinco do Podemos e quatro do PP. Essa configuração facilita a negociação e a responsabilização entre os gestores e a população.
Um detalhe curioso é que há mais eleitores (1.295) do que moradores (cerca de 833). Isso acontece porque muitos ex-moradores ainda mantêm o título eleitoral e um laço afetivo com a cidade, o que influencia diretamente as prioridades locais. As campanhas eleitorais não se dirigem apenas a quem mora na cidade; elas também alcançam os chamados “Serranos Ausentes”, que muitas vezes se reúnem no festival homônimo. Nesse contexto, apenas 60 votos podem definir um mandato, mostrando como microdemocracias conseguem tornar visível o impacto de cada escolha.
A base produtiva da cidade é principalmente agropecuária, com culturas como arroz, feijão e leite. Entretanto, quando se trata de emprego formal, a administração pública prevalece: de 239 ocupados, 120 trabalham na prefeitura. O orçamento municipal, portanto, se torna o principal motor econômico. Em 2021, o PIB per capita foi de R$ 28.392,42, um pouco abaixo das médias estadual e regional, mas as contas da cidade estão em dia, com R$ 31 milhões em receitas e R$ 26,3 milhões em despesas em 2024.
O setor privado é bastante limitado, contando com apenas dois mercados, uma padaria e uma loja de roupas. Isso faz com que a pouca concorrência e o custo do frete elevem o custo de vida, especialmente em relação aos alimentos. As oportunidades de trabalho normalmente estão em cidades vizinhas ou em formatos remotos, o que pode explicar a migração de jovens em busca de educação e carreira. A cidade conta com transferências intergovernamentais, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o ICMS, garantindo a estabilidade financeira, mas sem necessariamente promover crescimento. O resultado é um modelo de bem-estar que se mantém, mas que tem seus limites.
Segurança, serviços e o papel do Wi-Fi gratuito
Serra da Saudade tem um contrato social muito claro: a população abre mão de certas conveniências para garantir uma segurança excepcional. Não há homicídios há 50 a 60 anos, e a confiança entre os moradores permite práticas simples, como os parcelamentos informais entre comerciantes. A infraestrutura também é boa: todas as ruas são pavimentadas e tanto a escola quanto o posto de saúde oferecem serviços como odontologia e fisioterapia.
Mas, é claro, existem lacunas importantes. Não há farmácia, posto de gasolina ou hospital, o que obriga os moradores a se deslocarem para Dores do Indaiá, que fica a 12 km de distância. O saneamento também é um desafio: em 2022, apenas 59,54% tinham acesso a água e 56,54% a esgoto, refletindo as dificuldades que a zona rural enfrenta. Nesse cenário, o Wi-Fi gratuito se torna um pilar fundamental. Desde 2011, a cidade oferece internet sem custo, concentrando-se em educação e inclusão, ajudando a diminuir o isolamento. Isso possibilita teleconsultas, compras de medicamentos e até mesmo ensino à distância.
Cultura, memória e futuro possível
Serra da Saudade nasceu nos anos 1920, em torno da Estrada de Ferro Belo Horizonte-Paracatu, e viveu um auge na época da construção de Brasília, emancipando-se oficialmente em 30 de dezembro de 1962. A lenda que explica seu nome envolve uma sobrevivente indígena e uma carta com a palavra “saudade”, que simboliza a memória e o pertencimento da comunidade. O calendário cultural é repleto de eventos, como a Festa do Peão, Carnaval, Festas Juninas e a Festa de Nossa Senhora do Rosário, com muitas danças típicas.
O futuro da cidade pode estar no turismo de experiência, atraindo visitantes com sua tranquilidade, segurança e beleza natural. O desafio é encontrar formas de criar oportunidades sem comprometer as características que fazem de Serra da Saudade um lugar especial. A conectividade, o engajamento dos ex-moradores e o cuidado com a natureza poderão formar uma estratégia para garantir que a menor cidade do Brasil continue sendo significativa e viável.