Cemitério de 147 naufrágios se torna santuário ecológico

Em 1929, uma ação da empresa americana Western Marine & Salvage transformou completamente a paisagem de Mallows Bay, no rio Potomac. Na época, foram transportados 169 navios que foram feitos às pressas durante a Primeira Guerra Mundial, com a intenção de desmontar a chamada “Frota de Emergência”.
Esses navios passaram por um processo bem drástico. Para recuperar metais e outros materiais, foram incendiados até a linha d’água. O fogo tinha o objetivo de facilitar a remoção de partes valiosas, mas deixou para trás um cenário de destruição. Muitos dos barcos afundaram ou ficaram cobertos por sedimentos, dando a impressão de que era um desastre ambiental sem solução.
Mas, com o passar do tempo, o que parecia um grande problema se transformou em algo surpreendente.
A Frota Fantasma toma forma
Atualmente, 147 cascos ainda são visíveis, compondo a chamada “Frota Fantasma de Mallows Bay”. Esse local, que antes era apenas um depósito de navios queimados, se tornou um ecossistema peculiar. Espécies marinhas encontraram abrigo nas estruturas enferrujadas, que agora oferecem superfícies duras e seguras.
O biólogo David Johnston, da Universidade Duke, fala disso de uma forma interessante: “Ainda que tenha sido um evento catastrófico, a vida se adapta e transforma esse espaço em um novo lar”.
Como a vida se estabeleceu no cemitério de navios
Um dos principais fatores para essa transformação foram as marés. Elas trouxeram silte e partículas que se acumularam nos cascos ao longo dos anos. Isso possibilitou que as sementes, carregadas por animais, germinassem mesmo nas carcaças de ferro.
E o resultado é bastante curioso: árvores brotaram em cima dos navios enferrujados, algas cobriram vigas submersas e aves, como águias-pesqueiras, aproveitaram os mastros para fazer seus ninhos. Johnston descreve esse fenômeno como uma “espiral positiva”, onde cada estrutura atrai animais que, por sua vez, ajudam a criar ainda mais vida.
A descoberta por acaso
O valor ecológico de Mallows Bay só começou a ser reconhecido recentemente. Em 2016, a equipe de Johnston estava à procura de locais para testar drones. Ao dar uma olhada no Google Earth, notaram formas que se assemelhavam a cascos de navios espalhados pelo Potomac. Isso gerou a curiosidade deles e a vontade de investigar mais.
Na pesquisa, usaram três modelos de drones: um mapeava toda a área, outro focava nos destroços e o terceiro capturava vídeos em alta definição. Os resultados geraram mapas detalhados que mostraram não só a extensão dos naufrágios, mas também a evolução do ecossistema ao longo do tempo.
De cemitério a santuário
O material coletado chamou a atenção da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA) e do Departamento de Recursos Naturais de Maryland. Em 2019, o local foi oficialmente declarado Santuário Marinho Nacional. Essa decisão não só reconheceu a importância histórica dos naufrágios, mas também destacou o valor ambiental da área, que se tornou um verdadeiro laboratório vivo.
Um futuro de descobertas
Johnston acredita que o mapeamento atual é apenas o começo de novas descobertas. Os pesquisadores estão certos de que o que aparece na superfície é só uma fração da biodiversidade existente. Futuras imagens subaquáticas prometem revelar uma diversidade ainda maior de organismos vivendo entre os restos da frota.
Mallows Bay é um belo exemplo de como destruição e vida podem coexistir. O que era ferro queimado no passado agora sustenta um ecossistema vibrante, mostrando que a natureza sempre encontra uma forma de se reinventar, mesmo nos lugares mais inesperados.