Setor de supermercados enfrenta crise na contratação de jovens

Nos anos 2000, trabalhar em supermercado era quase como um rito de passagem. Para muitos, ser empacotador, operador de caixa ou repositor simbolizava o primeiro contracheque, a tão sonhada independência e as saídas com os amigos no final de semana. Mas, duas décadas depois, essa realidade mudou bastante. Hoje, mesmo com centenas de milhares de vagas abertas, o setor supermercadista enfrenta uma grande dificuldade para contratar. O problema não é a falta de pessoas dispostas, mas sim a atratividade das ofertas.
Atualmente, o desemprego está em seu menor nível histórico — 6,6% segundo o IBGE. E a internet transformou totalmente a maneira como os jovens veem o trabalho. O modelo tradicional de jornada de oito horas, sem ar-condicionado, salário mínimo e pouca chance de crescimento, perdeu o charme. Como bem observou o vice-presidente da Abras (Associação Brasileira de Supermercados), Marcio Milan, “os jovens preferem trabalhos informais pela flexibilidade”.
Mercado em transformação: vagas sobram, mas o modelo ficou ultrapassado
A escassez de mão de obra mostra que os tempos mudaram. Antes, os trabalhadores buscavam emprego; agora, são as empresas que saem à procura de colaboradores. Mesmo quando uma vaga é preenchida, a rotatividade é alta, com muitos abandonando o cargo em poucas semanas.
O que está por trás disso? Os motivos são bem claros: salários baixos, funções acumuladas e jornadas longas. Por exemplo, em Nova Iguaçu (RJ), uma vaga de operador de caixa que oferecia R$ 1.600 incluía tarefas de limpeza e reposição. Quando se analisa essa quantia em relação ao custo de vida, não há como dar conta. A cesta básica custa cerca de R$ 432 e o aluguel de um pequeno apartamento está acima de R$ 900. Somando transporte e contas de luz, sobra pouco até para o mês acabar.
Uma análise da Elementar destaca que muitos trabalhadores têm buscado alternativas informais. O interesse em evitar um modelo tão rígido e mal pago não é um fenômeno isolado. A rede Hirota, por exemplo, não conseguiu preencher 80 vagas em São Paulo e teve que deslocar pessoas de outras unidades. Situações como essa estão se tornado cada vez mais comuns.
Empresas recorrem ao Exército e aos aposentados para driblar a escassez
A dificuldade para contratar gerou algumas iniciativas inusitadas. Redes como o Carrefour começaram a contratar 53 mil pessoas via CadÚnico em 2024, focando em famílias de baixa renda. Outras têm buscado idosos, aposentados e pessoas com deficiência, percebendo que esses grupos oferecem um perfil mais estável e disciplinado.
Uma das estratégias mais curiosas vem das parcerias com o Exército Brasileiro. Supermercados começaram a recrutar jovens reservistas recém-saídos do serviço militar, acreditando que a disciplina poderia se traduzir em resiliência no trabalho. Segundo a Abras, 80% desses reservistas conseguem emprego logo após deixar a farda, mostrando os esforços do setor para preencher suas vagas.
Entretanto, a reposição de mão de obra ainda é uma batalha difícil. O economista Fabio Bentes, da CNC, alerta que “aumentar o salário inicial acima da média do mercado é uma das poucas estratégias eficazes para atrair candidatos”. Mesmo assim, muitos trabalhadores optam por sair após os primeiros meses. O cenário ficou tão complicado que o setor gira como uma esteira sem parar.
Automação e autoatendimento: a nova aposta dos supermercados
Diante do cenário desafiador, os supermercados começaram a olhar para a tecnologia como uma solução. Com margens de lucro apertadas — que variam de 2% a 5% — e a dificuldade em elevar os salários, a automação se tornou uma necessidade. O autoatendimento e os self-checkouts estão se espalhando rapidamente. Redes como o Pão de Açúcar já têm 90% das lojas automatizadas, e o Hortifruti expandiu essa tecnologia até para a pesagem de frutas e verduras.
Atualmente, o Brasil conta com 8 mil unidades de autoatendimento, um número que cresce a passos largos. No entanto, países como o Reino Unido e os EUA enfrentam desafios, como reclamações sobre lentidão, furtos e a impessoalidade gerada por esses sistemas. Por aqui, ainda há espaço para expandir, mas especialistas alertam: a falta de condições de trabalho adequadas precisa ser abordada, ou a tecnologia não será suficiente para resolver a crise enfrentada pelo setor.
Enquanto isso, o supermercado — que já foi considerado o primeiro emprego dos jovens — hoje é visto como o último recurso. O setor tenta se reinventar com reservistas, idosos e automação, mas enfrenta um desafio maior: a falta de motivação e sentido para os trabalhadores.

 
						


