Casa da torre de Garcia d’Ávila: 500 anos de história no Brasil

A Casa da Torre de Garcia d’Ávila é um dos marcos mais impressionantes da história colonial do Brasil. Situada na colina da Praia do Forte, na Bahia, essa fortificação foi construída no século XVI e exibe características que nos lembram os castelos da Europa, com uma vista de tirar o fôlego para o Atlântico. Por quase 300 anos, foi o lar de uma das famílias mais influentes do período colonial.
O que torna este lugar tão especial? Além de sua beleza arquitetônica, a Casa da Torre simboliza a expansão dos portugueses pelo interior do Brasil, controlando vastas áreas que atualmente correspondem a diversos estados do Nordeste. Hoje, em estado de ruína, a casa ainda se destaca como um exemplo importante da influência luso-brasileira na arquitetura e na colonização.
Fundação e construção do castelo
A história da Casa da Torre começou em 1549, quando Tomé de Sousa chegou à Bahia para fundar Salvador, trazendo consigo Garcia d’Ávila, um jovem fidalgo. Graças à sua lealdade e talento na administração, Garcia logo assumiu papéis importantes na nova cidade.
Em 1552, o governo concedeu a ele uma sesmaria, que é uma espécie de concessão de terras, e também gado trazido de Cabo Verde. Isso deu início à criação de gado na região. Pouco tempo depois, decidiu construir uma casa-forte em suas terras para proteger o território e servir como residência.
Essa construção, iniciada por volta de 1551, é considerada a primeira grande edificação civil portuguesa no Brasil. Originalmente chamada de Torre Singela de São Pedro, a estrutura incluía uma residência, uma torre de vigia e uma capela. Com paredes espessas e ameias, o castelo tinha um aspecto de fortaleza medieval, algo bastante raro nas Américas.
Após décadas de trabalho, em 1624, sob o comando de seu neto Francisco Dias d’Ávila, a Casa da Torre adquiriu a aparência que a tornaria famosa. O local era militarmente estratégico e um símbolo da prosperidade da família, dominando tanto o litoral quanto as terras interiores.
A dinastia Garcia d’Ávila e o sistema de sesmarias
A fortuna da família d’Ávila começou a se consolidar graças às sesmarias que recebiam da Coroa. Em 1563, Garcia d’Ávila ganhou uma nova concessão, tornando-se um dos maiores proprietários de terras da colônia. Quando faleceu em 1609, deixou um vasto patrimônio que passou para seu neto Francisco Dias d’Ávila, o primeiro morgado da Casa da Torre.
Francisco expandiu ainda mais os domínios da família e, em 1624, recebeu a autorização do rei Felipe IV para “devassar os sertões”, ou seja, conquistar terras no interior do Brasil. Assim, os Garcia d’Ávila formaram uma dinastia que controlava não apenas fazendas e rotas de gado, mas também aldeamentos indígenas.
No auge de seu poder, as possessões dos d’Ávila se estendiam por mais de 260 léguas ao longo do rio São Francisco. Esse território equivalente a dois estados do Nordeste se transformou em um símbolo de poder rural autônomo, sustentado pelas sesmarias e pela exploração da mão de obra indígena e escrava.
Um centro econômico e militar decisivo
Ao longo do tempo, a Casa da Torre se consolidou como o coração de um império econômico e militar. A principal fonte de riqueza da família era a pecuária, que abastecia a região com carne, couro e animais de tração. Garcia d’Ávila quebrou novos caminhos, criando as primeiras rotas de boiadas, conectando o litoral ao sertão e às áreas mineradoras de Minas Gerais.
A localização elevada da Casa da Torre também permitia que servisse como um posto de observação. Os sentinelas usavam sinais de fumaça e tochas para alertar a cidade de Salvador sobre a chegada de navios inimigos, ajudando assim na defesa contra corsários franceses e invasores holandeses.
Francisco Dias d’Ávila teve um papel ativo na luta contra os holandeses, participando da expulsão deles em 1625. O castelo chegou a abrigar um pequeno exército privado, formado por vaqueiros e indígenas, que não só protegiam a região, mas também participavam de expedições para conquistar novas terras.
Arquitetura: entre o castelo e o engenho
A arquitetura da Casa da Torre é impressionante, mesclando o estilo de fortaleza europeu e a construção tropical. Erigida com pedra local e cal de conchas, suas paredes têm até dois metros de espessura, e as janelas estreitas eram pensadas para defesa.
A planta seguia o modelo das casas-fortes medievais portuguesas, com torre de vigia, pátio interno e áreas residenciais. A Capela de Nossa Senhora da Conceição, integrada ao conjunto, apresenta um estilo manuelino e foi o centro religioso da propriedade, onde a família realizava suas cerimônias.
Com o passar dos anos, o local passou por ampliações. Embora parecesse um castelo, também funcionava como um engenho de subsistência, com senzalas e currais, um exemplo único na América Latina. No século XIX, a decadência da família levou ao abandono da estrutura, que começou a se deteriorar.
Personagens marcantes da linhagem
A história da Casa da Torre também é marcada por figuras notáveis. Entre eles, podemos destacar:
Garcia d’Ávila (1528–1609): O fundador, conhecido como o primeiro grande fazendeiro do Brasil.
Francisco Dias d’Ávila (c. 1575–1641): O neto que consolidou o poder da família e expandiu suas terras.
Garcia d’Ávila II (1609–1658): Que continuou a política de alianças e enfrentou concorrentes.
- Luís Pires de Carvalho e Albuquerque (Visconde da Torre de Garcia d’Ávila, 1789–1847): O descendente que apoiou a Independência da Bahia, mas viu a queda do prestígio da família.
Uma figura lendária associada à linhagem é Diogo Álvares Correia, o Caramuru, que se casou com uma indígena e uniu o sangue indígena ao europeu na genealogia dos d’Ávila.
Declínio e abandono
O declínio da Casa da Torre começou no início do século XIX. Com as novas mudanças políticas e econômicas, as antigas casas senhoriais perderam força. A extinção dos morgadios em 1835 fragmentou as propriedades, contribuindo para o abandono da casa.
Por volta de 1850, a Casa da Torre estava em ruínas. Apesar de ter servido de base durante as guerras de independência, nunca mais foi habitada. Com o tempo, as ruínas tornaram-se um ponto de curiosidade e estudo. Em 1938, o conjunto foi tombado pelo então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, reconhecendo seu valor.
Nos anos 70 e 80, escavações arqueológicas e obras de conservação impediram que as ruínas se deteriorassem ainda mais. Parte da capela foi restaurada, enquanto o castelo foi mantido como uma ruína autêntica, preservando sua história.
A Casa da Torre hoje
Hoje, a Casa da Torre faz parte do Parque Histórico Garcia d’Ávila. Mantido pela Fundação Garcia D’Ávila em parceria com o IPHAN, o espaço abriga um museu interativo que apresenta a história da fortificação e da família, além de exposições sobre arqueologia e a escravidão da época.
As ruínas, cercadas por coqueirais e com vista para o mar, proporcionam um cenário que combina elementos do passado colonial com o turismo moderno, atraindo visitantes do Brasil e do mundo. Eventos culturais, feiras e concertos são realizados por lá, simbolizando a resistência da memória histórica brasileira.
Mesmo em ruínas, a Casa da Torre é uma lembrança vívida da complexa formação do Brasil, mesclando histórias de grandiosidade e desafios do passado, enquanto continua a encantar aqueles que a visitam.



