Cidade com 90% em condomínios enfrenta isolamento urbano

Santana de Parnaíba, uma cidade no interior da Grande São Paulo, parece saída de uma ficção científica. Com suas ruas quase desertas, praças silenciosas e impressionantes 90% da população vivendo em condomínios fechados, ela retrata um fenômeno urbano único no Brasil: as chamadas “cidades invisíveis”. Essas áreas são projetadas para segurança e conforto, mas acabam criando uma separação quase total do espaço público.
O município, que abriga o famoso bairro de Alphaville, se destaca como um dos locais mais ricos e seguros do país. Inicialmente, tudo parece idílico: ruas arborizadas, condomínios onde as casas valem milhões, além de escolas e hospitais de renome. Mas, à medida que nos afastamos dos muros dessas propriedades, especialistas apontam para um novo modelo urbano que levanta questões sobre convivência, desigualdade e o futuro das cidades brasileiras.
O nascimento de Alphaville e o modelo da cidade murada
Alphaville começou como um projeto de engenharia e marketing nos anos 1970, criado pela construtora Albuquerque & Takaoka. A ideia era oferecer às elites paulistanas um refúgio do caos da capital: um local que unisse tranquilidade, segurança e uma infraestrutura de primeira linha, longe do agito da cidade. O sucesso foi tão grande que o modelo se espalhou pelo Brasil.
Em 1980, o bairro se expandiu para Santana de Parnaíba, conquistando espaço para crescer vertiginosamente. De acordo com o Plano Diretor de 2024, mais de 200 condomínios fechados dominam a área urbana. Esses locais funcionam como pequenas cidades autônomas, com sistemas próprios para vigilância e serviços, como coleta de lixo e lazer. Na parte externa, o movimento é escasso, e a vida social e econômica acontece, em sua maioria, dentro dessas "prisões" de luxo.
Segurança total e o custo do isolamento
Santana de Parnaíba apresenta um dos menores índices de criminalidade do Brasil. A taxa de homicídios é praticamente zero, um fato que atrai muitos moradores para essas áreas. Com uma renda média de mais de R$ 8 mil mensais, os residentes desfrutam de uma qualidade de vida que poderia ser comparada a países desenvolvidos, com um IDH local de 0,862.
Entretanto, essa segurança tem um preço. O isolamento urbano é um ponto crucial. Pesquisadores da Universidade de São Paulo e da PUC-SP caracterizam esses locais como exemplos de urbanismo privatizado, onde os espaços públicos perdem sua importância e a cidade se transforma em um arquipélago de condomínios isolados. Segundo o urbanista Raul Juste Lores, essa realidade é o “triunfo do medo sobre a convivência”, representando uma nova forma de segregação social.
Ruas desertas e vida entre muros
Um passeio pelas ruas de Santana de Parnaíba é um verdadeiro paradoxo. As avenidas são largas e limpas, mas quase sempre vazias. Os poucos pedestres que se vêem são trabalhadores que se deslocam para atender aos condomínios. No interior, a vida é vibrante, com clubes, academias, praças e comércio exclusivo — um mundo à parte do que ocorre fora dos muros.
A socióloga Teresa Caldeira, autora de "Cidade de Muros", descreve Alphaville como um exemplo da “privatização do espaço urbano” na América Latina. Esses territórios, que ela chama de “cidades invisíveis”, mantêm uma distância física e simbólica do restante da metrópole. Muitos moradores acreditam que a troca de segurança e qualidade de vida justifica essa escolha, mas urbanistas alertam que, a longo prazo, isso pode aprofundar a desigualdade social.
Uma bolha econômica e social
A economia local é impulsionada principalmente pelos serviços, tecnologia e pelo setor imobiliário de alto padrão. De acordo com a Fundação Seade, o IPTU e o ISS de serviços representam mais de 90% da arrecadação municipal. Os imóveis nos condomínios podem ser avaliados entre R$ 3 milhões e R$ 20 milhões, sendo frequentados por empresários e influenciadores.
No entanto, apesar de tanta riqueza, a vida pública é praticamente inexistente. Comércios de rua são raros, praças são pouco visitadas e os eventos culturais acontecem majoritariamente dentro dos próprios condomínios.
“É uma cidade onde o cidadão é cliente e o espaço urbano, um produto”, afirma o arquiteto Ciro Pirondi.
O retrato do Brasil dos muros altos
O que acontece em Santana de Parnaíba e Alphaville é apenas a face mais visível de um fenômeno que se espalha pelo Brasil. O IBGE aponta que o número de condomínios fechados cresceu mais de 300% nas últimas duas décadas. Hoje, estima-se que mais de 11 milhões de brasileiros vivam em comunidades muradas, buscando segurança em meio à crise de confiança nas cidades abertas.
Esse cenário reflete a desigualdade do país, onde metrópoles em crise afastam cada vez mais aqueles que podem pagar para dentro dos muros. O espaço público se deteriora, resultando em uma sociedade fragmentada, onde cada grupo social vive em seu próprio território, sem interação real.
A cidade que se esconde dentro dela mesma
Santana de Parnaíba é uma cidade paradoxal, quase invisível. Sua riqueza não está nas avenidas movimentadas ou em arranha-céus, mas sim atrás de muros, guaritas e portões automáticos. Lá dentro, conforto e segurança imperam, enquanto do lado de fora, as ruas permanecem silenciosas, simbolizando um Brasil contemporâneo em busca de proteção, mas que acaba se isolando.
Essas “cidades invisíveis” são mais do que uma peculiaridade urbana: são um reflexo do medo e da desigualdade, moldando o espaço que habitamos. A realidade delas talvez seja um indício do que espera muitas outras cidades brasileiras — fragmentadas e distantes de uma convivência verdadeira.