Filho arca com custos de pais idosos e pode cobrar herança

Cuidar de pais idosos é um ato de amor e, ao mesmo tempo, pode se transformar em um verdadeiro desafio financeiro. Muitas vezes, apenas um dos filhos assume toda a responsabilidade pelas despesas, como medicamentos, internações ou cuidados contínuos, enquanto os outros irmãos não colaboram. Essa situação levanta uma questão importante: quem arca sozinho com esses custos pode exigir um retorno dos irmãos na divisão da herança? A resposta dos tribunais brasileiros é um sim bem claro.
De acordo com o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e diversas cortes estaduais, o filho que paga as contas médicas e de tratamento de seus pais idosos pode buscar um ressarcimento proporcional dos irmãos durante a partilha da herança. Esse é um reconhecimento da responsabilidade compartilhada na família.
O que diz a lei
O que a lei fala sobre isso? O Código Civil, nos artigos 1.694 a 1.698, estabelece que os parentes têm obrigações entre si, incluindo o fornecimento de alimentos, que também se estende aos irmãos. Isso significa que todos têm a responsabilidade de auxiliar nos cuidados necessários com familiares mais velhos.
Além disso, o artigo 1.315 do Código Civil afirma que todos os herdeiros são obrigados a contribuir para as despesas comuns de acordo com suas partes. Assim, quem desfruta dos direitos deve também compartilhar os deveres.
Decisões dos tribunais
Esse tema já foi analisado em várias ocasiões nos tribunais:
O STJ afirmou que um filho que contém sozinho as despesas médicas do pai pode buscar ressarcimento proporcional dos irmãos no inventário, com base no princípio de que ninguém deve enriquecer em cima do trabalho dos outros.
Tribunais estaduais também já reconheceram o direito ao ressarcimento quando um filho arca completamente com os custos de remédios, tratamentos e internações. Em muitos casos, esses valores foram descontados diretamente da parte dos irmãos que não contribuíram.
- Além disso, herdeiros que pagaram despesas de funeral e sepultamento também obtiveram reembolso proporcional.
Essas decisões mostram que a Justiça no Brasil é clara: a solidariedade entre os membros da família é uma responsabilidade que deve ser compartilhada.
O princípio do enriquecimento sem causa
Um princípio essencial que embasa essas decisões é o da vedação ao enriquecimento sem causa. Isso significa que não é justo que alguns herdeiros deixem de contribuir e, ao final, recebam a mesma herança daqueles que se desdobraram para arcar com as despesas.
Na prática, os tribunais determinam que o ressarcimento deve ser proporcional à quota de cada herdeiro, promovendo assim uma divisão justa do patrimônio.
Como funciona na prática
Para garantir o ressarcimento, o filho que pagou as despesas deve apresentar comprovantes de pagamento — como notas fiscais e recibos de hospitais, farmácias ou clínicas. Esses documentos são essenciais para mostrar quanto foi investido.
Durante o processo de inventário, ele pode solicitar o ressarcimento proporcional, buscando que os valores sejam descontados da parte que caberia aos irmãos que não colaboraram. Caso haja resistência, é possível entrar com uma ação judicial para garantir o retorno dos valores.
Exemplos práticos
Aqui vão alguns exemplos práticos que ilustram a situação:
Medicamentos de alto custo: Um filho que compra remédios caros por meses para o tratamento do pai com câncer pode pedir que os irmãos reembolsem esses custos quando chegar a hora da partilha.
Internação hospitalar: Se uma filha paga sozinha a internação prolongada da mãe em um hospital, o tribunal reconhece que esses valores podem ser abatidos da herança.
- Cuidados domiciliares: Herdeiros que contratam um enfermeiro ou cuidador podem também solicitar uma divisão proporcional dessas despesas com os irmãos.
Impacto social e familiar
Esse tema toca diretamente a realidade das famílias brasileiras. Em um contexto onde a expectativa de vida aumenta e os custos com saúde estão nas alturas, frequentemente um único filho se vê sobrecarregado com essas responsabilidades.
A jurisprudência que permite o ressarcimento traz equilíbrio e justiça, evitando que apenas um familiar arcare com as dificuldades. Contudo, essa situação pode gerar atritos entre os irmãos. A resistência em assumir a parte devida pode ser comum, mas os tribunais têm reforçado que a solidariedade não se limita ao aspecto emocional, mas também é uma questão jurídica e financeira.
Quando não há ressarcimento
Vale ressaltar que a Justiça reconhece o direito ao ressarcimento somente quando as despesas são comprovadas e necessárias.
Gastos considerados supérfluos ou fora do contexto de saúde praticamente não têm chances de serem aceitos.
- Por exemplo, reformas na casa dos pais só geram ressarcimento se forem comprovadamente ligadas à manutenção da dignidade e qualidade de vida dos idosos.
O dever de solidariedade entre irmãos
A possibilidade de cobrar ressarcimento na herança é uma maneira de o Judiciário aplicar o dever de solidariedade previsto na lei. Não se trata apenas de justiça financeira, mas de reconhecer que o cuidado com os pais é responsabilidade de todos os filhos.
A mensagem que fica é clara: quem arca sozinho não deve carregar esse peso sozinha. E quem se omite pode, sim, ter que prestar contas na Justiça.