Time brasileiro foi o primeiro do mundo a viajar de avião

Em uma manhã fria e chuvosa de 5 de junho de 1927, um momento histórico aconteceu às margens do Rio Guaíba, na Ilha Grande dos Marinheiros. Era a primeira vez que um time de futebol viajava de avião para uma partida. O Esporte Clube São José, de Porto Alegre, embarcou no hidroavião Dornier Do J Wal “Atlântico”, da Varig, rumo a Pelotas, onde enfrentaria o Esporte Clube Pelotas em um amistoso.
Naquele instante, eles não sabiam que estavam prestes a fazer história. A viagem de futebol não só desafiava limites físicos, mas também a própria concepção de como o esporte poderia ser praticado no Brasil.
Décadas depois, em 1992, a FIFA reconheceu oficialmente esse feito inovador, mas, na época, essa jornada já simbolizava ousadia e um espírito aventureiro que combinava perfeitamente com a combinação do futebol em ascensão e a aviação emergente.
O voo durou cerca de duas horas e meia. Enquanto a Varig seguia seu protocolo de carga, o clima miserável não ajudava: chuva e frio. Uma preocupação adicional surgiu quando os passageiros tiveram que usar casacos pesados, elevando o peso total além do que o hidroavião poderia suportar. Em busca de uma solução, o goleiro Alberto Moreira Haanzel e Antônio Pedro Netto aceitaram ficar no compartimento de bagagens, algo impensável hoje.
Com os jogadores acomodados nas poltronas de vime e pedaços de algodão para atenuar o barulho ensurdecedor dos motores, a equipe se preparou para decolar. Além dos atletas, estavam também o chefe da delegação, Carlos Albino Müller Pires, e o secretário do clube, Moisés Antunes da Cunha. Antes do voo, o presidente Waldemar Zapp pediu que um fotógrafo registrasse o momento, pois temia que algo pudesse dar errado.
Entre os itens curiosos levados por Antônio Pedro Netto, estavam 30 exemplares do jornal Correio do Povo. Com um planejamento inteligente, ele vendeu os jornais em Pelotas e garantiu um jantar após a partida.
A Preocupação Antes da Decolagem e o Desafio do Peso
O comandante Rudolf Cramer von Clausbruch se viu em um dilema devido ao clima adverso e ao peso adicional dos casacos. A Varig já tinha solicitado o peso de cada passageiro, mas com as roupas pesadas, o limite foi ultrapassado. A solução encontrada para permitir a partida foi a acomodação improvisada dos dois jogadores no espaço de bagagens. Felizmente, isso permitiu que o voo decolasse!
Na cabine, os demais jogadores tentavam se distrair com as poltronas e o ambiente incomum. Lembrar desse feito só traz um sorriso, pois em um tempo em que as viagens aéreas eram raras, o São José definitivamente se destacou.
O Hidroavião Pioneiro: O Dornier Do J Wal
Para entender a magnitude do voo, é importante conhecer o Dornier Do J Wal, um dos hidroaviões mais icônicos da época. Com seu design inovador e robustez, esse modelo permitia não apenas o transporte de passageiros, mas também operações militares.
Era um hidroavião versátil, operando em diferentes condições e necessidades, tendo alcançado renome mundial ao longo de sua história com mais de 250 unidades produzidas. O Dornier Do J Wal se destacava pela inovação, com seu arranjo duplo de motores que proporcionava mais eficiência e estabilidade.
A Viagem Paralela e o Amistoso em Pelotas
Antes da delegação viajar, o tesoureiro João Leal da Silva viajou días antes de vapor, com alguns jogadores, para cuidar dos ajustes para a partida. O amistoso terminou em um empate de 2 a 2. Porém, essa partida e o resultado foram ofuscados pela grandiosidade da travessia aérea.
Após o jogo, João e os jogadores retornaram no Dornier Do J Wal, ocupando os lugares dos quatro passageiros que voltaram de vapor.
O Outro Elo Histórico Entre o Clube e a Aviação
A relação do Esporte Clube São José com a aviação vai além desse voo pioneiro. O terreno onde hoje fica o estádio do clube pertencia a Rubem Berta, uma figura emblemática da Varig. Ele queria construir uma pista, mas os planos foram frustrados pela urbanização. Em 1939, o São José comprou o terreno e, no ano seguinte, inaugurou o Estádio Passo D’Areia, que permanece como a casa do clube até hoje.
Um Capítulo Eterno do Esporte e da Aviação
O emocionante voo de 1927 não foi apenas um ato de bravura; foi um marco que desafiou as convenções da época, unindo o surgente futebol brasileiro com uma aviação que ainda estava se desenvolvendo. O Esporte Clube São José ficou gravado na história não só pela partida, mas pelo modo audacioso de chegar até ela.
Embora o placar do jogo tenha se perdido no tempo, a imagem do hidroavião alçando voo, levando um time em direção à inovação, continua sendo um dos contos mais fascinantes do esporte brasileiro e da aviação em nosso país.



