Empresas adotam modelo de trabalho 996, proibido na China

O crescimento acelerado da inteligência artificial nos EUA tem trazido mudanças significativas nas condições de trabalho, especialmente em startups desse setor. Um ponto que gera bastante discussão é a adoção cada vez maior da famosa escala 996. Esse modelo, que implica longas jornadas de trabalho, já foi banido na China, mas está encontrando um espaço, ainda que discretamente, em algumas empresas americanas.
A escala 996 requer que os funcionários trabalhem das 9h às 21h, seis dias por semana, totalizando impressionantes 72 horas de trabalho por semana. Esse tipo de jornada, que se popularizou em grandes empresas chinesas como Alibaba e Tencent, volta ao debate internacional por suas implicações nas vidas dos trabalhadores. Líderes desse setor chegaram a afirmar que essa dedicação extrema é necessária para fomentar a inovação e o crescimento econômico, como fez Jack Ma, fundador do Alibaba, que chegou a classificar o trabalho nessa escala como “uma bênção”.
O que é a escala 996 no mercado de tecnologia
Esse regime de trabalho, embora polêmico, já foi defendido por muitos como um catalisador para o sucesso em empresas de tecnologia. A ideia de que trabalhar longas horas é sinônimo de dedicação encontrou eco em algumas culturas corporativas, mas também gerou forte resistência e críticas.
Adoção velada da escala 996 nos Estados Unidos
De acordo com informações apuradas pela revista Wired, várias startups, principalmente na região do Vale do Silício, estão implementando versões dessa jornada exaustiva. Muitas delas não mencionam explicitamente a escala 996 para evitar críticas e possíveis consequências legais. Em anúncios de vaga, a expectativa de uma carga horária elevada fica evidente, especialmente para funções que são consideradas chave para o crescimento das empresas.
Um funcionário anônimo revelou que, embora o modelo não seja mencionado diretamente, a exigência de dedicação intensa está muito clara nas ofertas de emprego.
Consequências e regulamentação: experiência chinesa
Na China, o aumento de relatos sobre exaustão e até mesmo mortes relacionadas ao excesso de trabalho levou o governo a proibir oficialmente a escala 996 em 2021. Além de proibir essas jornadas, as autoridades intensificaram a fiscalização e penalizaram empresas que desrespeitam as leis trabalhistas.
Para muitos, a experiência chinesa serve de alerta sobre os perigos de uma cultura de trabalho excessivo e as suas consequências diretas sobre a saúde e o bem-estar dos trabalhadores.
Legislação trabalhista nos EUA e flexibilidade em startups de IA
Nos EUA, a situação é bem diferente. Não há uma legislação federal que limite claramente as horas de trabalho nas empresas privadas. Esse cenário facilita a adoção de jornadas extensas, principalmente em startups de tecnologia que estão sob pressão constante para inovar e se destacar no mercado.
Especialistas apontam que apesar da expectativa de compensação pelas horas extras, na prática, esse pagamento nem sempre é feito de forma justa.
Cultura da “hustle culture” e saúde mental no setor de inteligência artificial
A chamada hustle culture se tornou onipresente no ambiente de inteligência artificial. Profissionais nessa área são frequentemente pressionados a trabalhar longas horas, interpretadas como um compromisso com o sucesso das empresas. Para atrair talentos, muitas startups oferecem bônus financeiros e participação acionária, mas isso não apaga os relatos crescentes de exaustão física e mental.
Riscos à saúde e movimentos de proteção ao trabalhador
Nos últimos anos, surgiram movimentos em defesa da saúde mental e do equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Organizações internacionais, como a OIT, têm alertado sobre os riscos do trabalho excessivo, como o aumento dos casos de burnout e problemas de saúde mental.
Estudos indicam que trabalhar mais de 55 horas por semana pode aumentar significativamente o risco de problemas cardíacos e depressão, levantando questões sobre a saúde dos profissionais que atuam nesse setor.
Pressão do mercado de IA e impacto nas condições de trabalho
O cenário de crescimento explosivo da inteligência artificial e o aumento do investimento nesse setor têm elevado a pressão por produtividade e inovação. Startups estão recebendo quantias recordes de investimento, o que acirra a competição e influencia na imposição de jornadas intensas de trabalho.
Futuro do trabalho em tecnologia e desafios jurídicos
Os especialistas sugerem que a consolidação desse modelo de trabalho pode abrir espaço para debate jurídico sobre as condições laborais do setor. Sindicatos, que costumam ter pouca força nas empresas de tecnologia dos EUA, estão começando a questionar práticas que consideram abusivas, especialmente quando se trata de jornadas acima de 60 ou 70 horas sem a devida compensação.
Inovação, limites éticos e o debate sobre a escala 996
O discurso em torno da escala 996 ressalta a urgência de se encontrar um equilíbrio entre inovação e respeito aos direitos dos trabalhadores. A vivência na China serve como um aviso sobre as consequências graves do trabalho excessivo, que podem acabar comprometendo a saúde e o bem-estar dos profissionais.
Enquanto isso, startups americanas estão diante de uma encruzilhada: como manter a competitividade sem sacrificar a qualidade de vida dos seus colaboradores?