Um terço da comida mundial é desperdiçada, alerta estudo

A produção de comida no mundo apresenta um dilema curioso. Enquanto mais de um bilhão de refeições são desperdiçadas diariamente, cerca de 783 milhões de pessoas vivem em situação de fome. Ou seja, a questão aqui não é a falta de alimento, mas sim a falta de eficiência na distribuição e regras claras que façam a ponte entre o que é cultivado e o que chega à mesa.
Esse desperdício acontece em toda a cadeia alimentar. Veja só: 60% do que se descarta vem das casas, 28% dos serviços de alimentação e 12% do varejo. Esse problema é global e não se limita apenas aos países mais ricos, com diferenças de desperdício bem menores do que a gente imagina. A conta que tudo isso gera para o meio ambiente e para a economia é significativa e crescente.
A escala do problema: quanto e onde se perde
Em um único ano, o mundo foi responsável por gerar impressionantes 1,05 bilhão de toneladas de resíduos alimentares. Isso representa cerca de 19% de tudo que está disponível para consumo. Se somarmos a isso a quantidade de alimentos que se perde após a colheita e até chegar ao varejo — estimada em 13,2% —, chegamos a quase um terço do que é produzido mas nunca chega a ser consumido. Esse montante que se torna lixo é, na verdade, um grande problema logístico e econômico.
As casas são responsáveis pelo maior desperdício, com uma média de 79 kg por pessoa ao ano. Restaurantes e buffets, por sua vez, enfrentam dificuldades com porções excessivas e previsões de demanda muitas vezes equivocadas. E no varejo, critérios estéticos rígidos acabam colocando fora frutas e vegetais que não são "perfeitos" o bastante.
Se não olharmos para o comportamento de consumo e a forma como os produtos são oferecidos, não conseguiremos resolver a maior parte desse problema.
O tributo ambiental: clima, terra e água
O desperdício de alimentos responde por cerca de 8% a 10% das emissões de gases de efeito estufa. O impacto é duplo: por um lado, vemos a utilização de insumos e energia para cultivar alimentos que não serão consumidos; por outro, isso gera resíduos orgânicos que, ao serem descartados em aterros, emitem metano — um gás muito mais potente que o dióxido de carbono a curto prazo.
Investir na compostagem e na digestão anaeróbica pode ajudar a desviar esses resíduos dos aterros, causando um impacto rápido e positivo no clima.
Em termos de recursos, o desperdício consome uma área agrícola maior que a China e utiliza quase 25% da água doce usada na agricultura. Quando descartamos um tomate, por exemplo, estamos jogando fora não só o alimento, mas também a água, energia e nutrientes que foram necessário para sua produção. A transformação de habitats para cultivar excesso de alimentos que não são consumidos também contribui para a perda de biodiversidade e a poluição de rios e mares, criando um ciclo prejudicial ao planeta.
O custo humano e econômico: quem paga a conta
Enquanto um terço da produção de alimentos se perde, centenas de milhões de pessoas não têm acesso a uma alimentação adequada. O problema da fome está mais relacionado ao acesso do que à produção em si. O desperdício gera uma escassez artificial, elevando os preços e prejudicando principalmente as famílias de baixa renda.
Em termos financeiros, a perda e o desperdício de alimentos somam cerca de 1 trilhão de dólares por ano. Isso representa uma quantia imensa que poderia ter sido investida em insumos e infraestrutura, em vez de ser desperdiçada sem gerar valor nutricional.
A boa notícia é que a redução do desperdício não só é benéfica para o meio ambiente, mas também traz um retorno financeiro significativo para empresas, cidades e consumidores. Essa economia pode incluir a redução no uso de insumos, taxas menores de resíduos e novas oportunidades de receita com reaproveitamento.
Anatomia das causas: por que jogamos fora
Na fase de produção e pós-colheita, a falta de infraestrutura e a ausência de uma cadeia de frio adequada, além de fatores climáticos e preços baixos, levam muitos alimentos a não chegarem ao mercado. No processamento e transporte, o uso de embalagens inadequadas e o manuseio incorreto geram danos e perdas. Cada etapa amplifica as falhas anteriores, fazendo com que pequenas perdas se tornem grandes montanhas de desperdício.
No varejo, padrões estéticos exigem que produtos perfeitamente comestíveis sejam descartados apenas por questões visuais. As casas não ficam atrás: fracos planejamentos, confusão sobre as datas de validade e falhas no armazenamento geram um volume significativo de desperdício.
Quem precisa agir: governo, empresas e consumidores
Governos têm um papel essencial. Eles podem estabelecer metas claras, integrando a questão do desperdício à agenda climática. Isso inclui a criação de um padrão para medir o que se descarta e garantir um suporte legal para a doação de excedentes. Quando empresas e cidades monitoram devidamente seus desperdícios, o problema pode ser melhor gerido.
As empresas devem revisar seus padrões estéticos, ajustar as porções e aprimorar as previsões de demanda usando dados e inteligência artificial. Além disso, abrir canais para redistribuir os excedentes de forma socialmente responsável pode gerar soluções inovadoras.
Para os lares, um bom planejamento de compras, a leitura atenta de rótulos e o uso criativo de sobras podem ajudar a reduzir o desperdício.
Inovação que funciona: tecnologia, logística e circularidade
A inovação também pode ser uma grande aliada no combate ao desperdício. Embalagens inteligentes ajudam a prolongar a vida útil dos produtos e informam sobre o frescor dos alimentos, diminuindo a quantidade descartada por conta da data de validade.
Sistemas de inventário eficientes podem prevenir excessos de preparação e ruptura de estoques. Por outro lado, plataformas que conectam excedentes a consumidores e instituições estão criando um mercado totalmente novo.
Compostagem urbana e digestão anaeróbica ajudam a completar o ciclo, reduzindo a emissão de metano. No entanto, é fundamental lembrar que a tecnologia deve ser aplicada dentro de uma estratégia bem definida. Sem uma mudança nas regras e hábitos, melhorias tecnológicas se tornam apenas acessórios.
Reduzir o desperdício de alimentos é, sem dúvida, uma das maneiras mais inteligentes de aliviar a pressão sobre o meio ambiente, diminuir custos e ampliar o acesso à alimentação. O que realmente precisamos é de um esforço coordenado e métricas claras que ajudem a enxergar e enfrentar esse desafio no nosso dia a dia.