Marinheiros abandonados em navios clamam por retorno a casa

O indiano Manas Kumar — um nome fictício para proteger a sua identidade — vive uma situação angustiante. Ele foi deixado em um navio cargueiro, o Anka, nas águas da Ucrânia desde abril. A embarcação carregava pipoca da Moldávia para a Turquia e tinha uma tripulação de 14 pessoas. O navio foi interceptado em 18 de abril, enquanto navegava pelo rio Danúbio, que separa a Ucrânia da Romênia.
As autoridades ucranianas alegaram que o cargueiro fazia parte de uma frota "fantasma" usada pela Rússia para vender grãos ucranianos saqueados. Mas, de acordo com Kumar, o navio estava registrado sob bandeira da Tanzânia e operava para uma empresa turca. Documentos apresentados pela tripulação, composta por indianos, azerbaijanos e egípcios, não deixaram claro quem seria o verdadeiro proprietário da embarcação.
Meses de incerteza
Cinco meses após a interceptação, Kumar e sua tripulação ainda estão a bordo. Ele contou que as autoridades ucranianas informaram que eles poderiam deixar o navio, já que não eram alvos de investigação. Mas a questão aqui é financeira: se decidirem desembarcar, vão perder os salários acumulados, que já totalizam cerca de R$ 550 mil.
A tripulação aceitou o trabalho sem saber do histórico do navio e agora se vê presa em uma situação desesperadora. Kumar disse que tanto o proprietário quanto as autoridades marítimas indianas sempre prometem que resolverão a situação "amanhã", mas as promessas não se concretizam. “Estamos em uma zona de guerra. O que mais queremos é voltar para casa o mais rápido possível”, desabafou.
O problema recorrente
A Índia, apesar de ser o segundo maior fornecedor de marinheiros do mundo, lidera os casos de abandono de tripulações. Desde 2006, quando o termo foi oficializado pela Convenção de Trabalho Marítimo, muitos marinheiros se veem sem apoio. A Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes (ITF) apontou que, em 2024, 3.133 marinheiros foram abandonados em 312 navios, com 899 indianos nessa situação.
Sair do navio sem receber salário não é uma opção viável para muitos desses trabalhadores. Muitos já gastaram altos valores com agentes para conseguir esses empregos. A prática da "bandeira de conveniência", onde navios registrados em países com regras menos rigorosas, é uma das principais causas desse problema. De acordo com a ITF, 90% dos navios abandonados em 2024 tinham bandeiras de conveniência.
O caso Stratos
Em 9 de janeiro de 2025, outro grupo de marujos indianos enfrentou uma situação similar. O capitão Amitabh Chaudhary — também um nome fictício — comandava o Stratos, que partia do Iraque para os Emirados Árabes. Após um desvio devido ao mau tempo, o navio, que também estava sob bandeira da Tanzânia, colidiu com rochas na Arábia Saudita.
Após quase seis meses presos, sem receber salários e enfrentando situações de fome e medo de naufrágio, a equipe finalmente conseguiu fazer o navio flutuar novamente. No entanto, ainda enfrentam a incerteza, pois o leme estava danificado, tornando o navio inapto para navegar.
Falhas na fiscalização
Os marinheiros frequentemente criticam a Diretoria-Geral de Navegação da Índia, que deveria fiscalizar contratos e credenciais. Para eles, a fiscalização é branda e facilita a repetição de casos de abandono. A DG não se manifestou sobre o assunto. Especialistas lembram que a tripulação deve prestar mais atenção ao assinar contratos, pois depois de assinar, fica presa a esses acordos e precisa buscar ajuda em diversas instâncias.
O drama no Nirvana
Outro caso emblemático é o do capitão Prabjeet Singh, que passou meses à deriva no Nirvana, um petroleiro de propriedade indiana registrado sob bandeira de Curaçao. Ele e seus 22 colegas descobriram que o navio havia sido vendido e que a disputa pelo pagamento dos salários estava entre os antigos e novos proprietários.
Em abril, quando Singh tentava levar o navio para desmanche, um tribunal ordenou a apreensão por falta de pagamento. A tripulação se viu abandonada, enfrentando falta de comida, combustível e luz. Embora tenham conseguido desembarcar em julho após uma ordem judicial, os salários ainda não foram pagos. Singh aceitou o trabalho em outubro de 2024 na esperança de uma vida melhor, e sair sem o pagamento nunca foi uma opção.
Impacto humano
As histórias de Kumar, Singh e Chaudhary mostram a gravidade dessa realidade. O maior desafio é lidar com a fome, a incerteza e a falta de respostas dos proprietários. Chaudhary, por exemplo, falou sobre o esgotamento psicológico, ressaltando que o tempo parece estagnar diante da mesma situação sem fim.
Enquanto esperam por soluções, esses trabalhadores permanecem longe de suas famílias, presos em navios que se tornaram verdadeiras prisões flutuantes. No fundo, o que todos eles desejam é encerrar esse pesadelo e voltar para casa em segurança.