Abandono de conjunto residencial deixa 40 mil famílias sem imóvel

No final dos anos 1980 e no começo dos anos 1990, o Brasil respirava otimismo econômico. O setor imobiliário estava em alta: as grandes construtoras se expandiam e um número crescente de famílias sonhava com a casa própria. Nesse clima promissor, se destacou a Construtora Encol S.A., que chegou a ser considerada a maior da América Latina. A empresa construiu bairros inteiros em várias capitais e vendeu mais de 70 mil imóveis em todo o país.
Porém, o que começou como um símbolo de prosperidade logo se transformou em um verdadeiro colapso financeiro e jurídico. Mais de 40 mil famílias ficaram sem imóvel, e o prejuízo, que ultrapassou R$ 2,5 bilhões, marcou um dos maiores desastres na história imobiliária do Brasil.
O império da Encol e a promessa de uma nova era da habitação
Fundada em Goiânia em 1961, a Encol cresceu rapidamente. Presente em mais de 70 cidades brasileiras, a empresa desenvolveu uma vasta gama de projetos, que iam desde condomínios de luxo até conjuntos populares, como o Residencial Veneza em Manaus, que acabou ficado pela metade.
A empresa tinha um modelo de negócios que parecia perfeito: os clientes compravam apartamentos ainda na planta, usando o financiamento coletivo para custear as obras. Assim, muitas pessoas conseguiram realizar o sonho da casa própria.
Nos anos 1990, com 25 mil funcionários, a Encol alcançou seu auge financeiros, faturando bilhões e sendo vista como um exemplo de inovação. Suas propagandas estavam em todos os lugares, prometendo qualidade e entrega pontual. Mas, por trás desse sucesso aparente, havia uma bomba-relógio financeira prestes a explodir.
A crise que desmontou o império
Na metade da década de 1990, o mercado imobiliário começou a apresentar sinais de retração, e a Encol passou a enfrentar dificuldades financeiras. Para manter o ritmo das construções, a empresa usava o dinheiro dos novos compradores para pagar as obras já em andamento. Esse esquema arriscado só funcionava enquanto as vendas continuavam em alta.
Quando o número de novos contratos começou a cair, a situação se agravou. Em 1999, a Encol faliu oficialmente, deixando mais de 700 obras inacabadas em 23 estados e no Distrito Federal. O patrimônio líquido da empresa, que era de R$ 1,2 bilhão, despencou para quase zero em questão de meses.
Nesse cenário, milhares de compradores perderam tudo. Muitos já tinham quitado seus imóveis, mas nunca receberam as chaves. Outros продолжaram pagando prestações por anos, sem saber que suas casas estavam abandonadas. No caso do Residencial Veneza, em Manaus, a situação é emblemática: o empreendimento foi abandonado na fase de fundação e hoje, só restam lembranças do colapso.
O maior escândalo imobiliário do país
A falência da Encol foi tamanha que economistas a compararam a um “Enron brasileiro”. O prejuízo estimado na época, de R$ 2,5 bilhões, seria semelhante a mais de R$ 10 bilhões hoje, sem incluir os danos morais das famílias envolvidas.
Em várias cidades, compradores se uniram em associações para tentar retomar as obras por conta própria. Embora alguns tenham conseguido progressos, muitos prédios, como o Residencial Veneza, permanecem apenas como promessas não cumpridas.
O processo judicial em torno da falência da Encol se arrastou por mais de 20 anos. Ex-diretores foram investigados por gestão fraudulenta e desvio de recursos, mas poucos pagaram por seus atos. Até hoje, esse caso é estudado em cursos de Direito e Administração como exemplo de desastre corporativo, destacando falhas na gestão e na proteção ao consumidor.
Os rastros de abandono e a memória do prejuízo
Nos locais onde a Encol atuou, as marcas do colapso ainda estão presentes. Estruturas inacabadas e terrenos vazios se tornaram marcos do fracasso de um modelo que falhou em dar garantias reais aos compradores. Em cidades como Goiânia, Brasília, Manaus, Salvador e Fortaleza, prédios deteriorados falam de um sonho desfeito.
Muitos mutuários ainda aguardam indenizações. Apesar da criação de programas habitacionais, como o “Minha Casa, Minha Vida”, nenhum comprador da Encol recebeu uma compensação justa. O Residencial Veneza, em Manaus, está tomado por mato e ferrugem, lembrando a todos que a falta de regulação pode arruinar vidas.
Um alerta que o tempo não apagou
Mais de 25 anos depois, o colapso da Encol continua sendo uma ferida aberta no mercado imobiliário brasileiro. Essa história expôs não só as falhas nas leis de incorporação, mas também os riscos dos financiamentos irregulares e a vulnerabilidade dos cidadãos diante de grandes construtoras.
O fracasso da empresa não só arruinou investidores, mas também desfez o sonho da casa própria de 40 mil famílias, muitas das quais nunca conseguiram recuperar o que perderam. O nome Encol permanece como um símbolo de promessas não cumpridas e de um país que ainda luta entre ambição e responsabilidade.