A cidade brasileira planejada como a “capital do futuro” e seu abandono

No coração da floresta amazônica, encontramos um lugar curioso. Com ruas largas, calçadas alinhadas e vestígios de construções que lembram uma cidade americana dos anos 30, está Fordlândia. Criada há quase um século, essa cidade representa uma das maiores ambições e quedas da história moderna. As casas de madeira, escolas, hospitais e até um campo de golfe agora vivem em silêncio, rodeadas pela natureza exuberante que lentamente toma conta do que sobrou.
A visão de Henry Ford no meio da Selva Brasileira
Na década de 1920, a borracha era essencial para a indústria automobilística. Como as plantações estavam sob controle britânico no Sudeste Asiático, Henry Ford decidiu atuar. Ele fez um acordo com o governo brasileiro para explorar uma área de 10 mil quilômetros quadrados à beira do rio Tapajós, no oeste do Pará. O magnata investiu cerca de US$ 20 milhões na época, um valor que corresponderia a mais de US$ 300 milhões hoje, com a intenção de construir uma cidade americana autossuficiente no meio da Amazônia.
Uma cidade americana em pleno Brasil tropical
A transformação na paisagem amazônica começou rapidamente. As ruas foram desenhadas em um formato reticulado, com nomes como Michigan Avenue e Ford Street. As construções eram pequenas, de madeira, com varandas e jardins. Fordlândia ganhou uma escola, um hospital e até uma estação de rádio. Mas o choque cultural foi evidente. O magnata impôs um rígido código de conduta, proibindo álcool e definindo cardápios, que contrastavam com a cultura local. Isso levou a uma rebelião em 1930, conhecida como o “motim da cantina”, que fez os gerentes americanos fugirem.
O erro biológico que selou o destino da Fordlândia
A pressão cultural não foi a única dificuldade. Um erro na abordagem agrícola se mostrou devastador. As plantações de seringueiras foram organizadas em fileiras compactas, uma prática inadequada para o clima amazônico. A umidade e os fungos destruíram as árvores. Um botânico contratado pela Ford alertou: “A monocultura em ambiente tropical é insustentável”. A praga do Microcyclus ulei exterminou praticamente todas as plantações e o sonho rapidamente se tornou uma ruína.
A transferência e o fim do projeto
Após anos de tentativas frustradas, a Ford decidiu transferir suas operações para uma área mais próxima de Belterra. Contudo, o insucesso continuou. Em 1945, a empresa decidiu abandonar Fordlândia e devolveu as terras ao governo brasileiro. Com o tempo, poucos trabalhadores permaneceram e a floresta começou a engolir o que restou da cidade.
O que sobrou da cidade do futuro
Hoje, quase um século após sua fundação, Fordlândia ainda é habitada, mas apenas como uma sombra do que poderia ter sido. As ruínas das casas, o hospital e algumas construções ainda resistem, enquanto cerca de 3 mil habitantes vivem ali, dependendo da pesca, agricultura e turismo histórico. Visitantes vêm de Santarém para ver as memórias do que foi o sonho de Ford, lembrando-nos de como a ambição industrial tentou domesticar a majestosa floresta e falhou.
Fordlândia e o símbolo da utopia industrial
Pesquisadores de universidades brasileiras e do Smithsonian Institute olham para Fordlândia como um caso emblemático de “colonização industrial”. O antropólogo Greg Grandin destaca que esse fracasso foi mais que econômico; foi também cultural e ambiental. Ford acreditava que poderia implantar seu modelo americano em qualquer lugar, mas a Amazônia é regida por suas próprias leis, e a natureza não se curva facilmente à vontade humana.
Um monumento ao que poderia ter sido
Fordlândia continua a fascinar historiadores e visitantes. Ela nasceu com a promessa de ser o “modelo do futuro” e se transformou em um lembrete de que o progresso ignorando o ambiente acaba em ruínas. Entre os ecos das fábricas vazias e o canto dos pássaros amazônicos, a cidade mantém uma aura de melancolia e fascínio — uma utopia que se desmoronou, mas que nunca desapareceu.



