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Região brasileira destaca-se com 1.200 sítios arqueológicos

O Parque Nacional da Serra da Capivara, localizado no sul do Piauí, é um verdadeiro tesouro que está mudando nossa compreensão sobre a história da ocupação americana. Durante muito tempo, a ciência se baseou na “Teoria de Clóvis”, que defendia que os primeiros humanos chegaram à América há cerca de 13 mil anos, atravessando o Estreito de Bering. No entanto, as pesquisas da arqueóloga Niéde Guidon, que começaram na década de 1970, levantaram uma série de evidências que desafiam essa visão. Com mais de 1.200 sítios arqueológicos, a Serra da Capivara sugere que a presença humana na região é muito mais antiga e rica do que se pensava.

O que faz deste local no Brasil realmente especial são os achados que indicam atividades humanas organizadas com datagens que podem ultrapassar os 50 mil anos. A descoberta de carvão de fogueiras, ossadas e ferramentas de pedra, todas analisadas com a técnica de Carbono 14, reforçam a ideia de que o povoamento das Américas foi muito mais complexo do que uma simples migração. Isso abre espaço para discussões mais amplas, como a “Teoria Pré-Clóvis”.

Redefinindo a chegada humana: A teoria pré-Clóvis

A Serra da Capivara levanta questões cruciais: quem realmente ocupou as Américas e quanto antes do que imaginamos? Tradicionalmente, artefatos encontrados em Clóvis, no Novo México, sustentavam a ideia de uma migração única vinda do Norte. No entanto, os achados em nossa Serra indicam que esse processo pode ter ocorrido por múltiplas rotas e em diferentes períodos.

As hipóteses que compõem a “Teoria Pré-Clóvis” são fascinantes. Uma possibilidade sugere uma migração costeira pelo Pacífico, onde grupos poderiam ter se deslocado em embarcações. A ideia mais controvertida é a de uma travessia pelo Atlântico Sul, partindo da África Ocidental. Essa teoria se apoia em similitudes entre artefatos de pedra encontrados no Piauí e na África, além da possibilidade de navegações pela correnteza. A diversidade genética e cultural dos povos indígenas reforça ainda mais essa amplitude, sugerindo que o povoamento foi um processo dinâmico e não linear.

Onde a arte rupestre indica estabilidade e cultura

Outro aspecto significativo da Serra da Capivara é a preservação da arte rupestre. Para que essas manifestações artísticas apareçam, é necessário que as necessidades básicas de vida estejam, minimamente, atendidas. Como bem observado, um grupo recém-chegado estaria mais preocupado em sobreviver do que em pintar. As figuras complexas e detalhadas encontradas na região mostram que essas comunidades tinham uma vida estável e que a arte servia para registrar experiências, comunicar ou sacralizar momentos.

A Serra da Capivara, localizada na Caatinga, tem um clima semiárido que propicia a preservação dos registros. É um dos poucos lugares no Brasil onde coexistem três grandes tradições rupestres, revelando uma imersão de estilos e cronologias:

  • Tradição Nordeste: Apresenta narrativas claras com figuras humanas e animais, muitas vezes contando histórias com começo, meio e fim.
  • Tradição Agreste: Focaliza aspectos simbólicos e espirituais, com representações estilizadas que sugerem o corpo como um canal entre mundos.
  • Tradição Geométrica: Caracteriza-se por formas abstratas, como círculos e espirais, potencialmente usadas para demarcar territórios.

O enigma dos povos: Nômades e a preservação do passado

Essa diversidade é fundamental para entendermos mais sobre a história da região. Enquanto muitos sítios arqueológicos no mundo apresentam um único tipo de tradição, a Serra da Capivara sugere um intenso contato cultural entre diferentes grupos ao longo dos últimos 50 mil anos, ou uma sucessão de ocupações no mesmo espaço, onde cada grupo deixou suas marcas. A falta de esqueletos humanos bem conservados indica que esses povos eram, provavelmente, nômades, adaptando-se às condições do semiárido nordestino.

Històricamente, esses grupos não receberam a mesma atenção internacional que os indígenas da América Central, que têm sua cultura reconhecida pela arquitetura impressionante e estruturas sociais complexas. A visão eurocêntrica, que desconsidera a riqueza da história pré-colonial no Brasil, teve sua narrativa desafiada pela Serra da Capivara, um Patrimônio Mundial da UNESCO. Essa riqueza cultural e histórica merece ser celebrada e preservada, especialmente através do trabalho da Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM), que Niéde Guidon ajudou a criar para garantir a pesquisa e a divulgação desse legado.

As descobertas na Serra da Capivara nos levam a repensar a complexidade da ocupação das Américas. Este local no coração do Piauí aponta não só para a chegada de humanos muito antes do que imaginávamos, mas também revela uma riqueza cultural impressionante por meio de sua arte rupestre. Essa é uma revolução na nossa percepção de história e identidade.

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