Ponte centenária da Bahia: resistência histórica e montagem cuidadosa

No coração do Recôncavo Baiano, uma ponte centenária ainda desempenha o importante papel de conectar duas cidades vizinhas, separadas pelo rio Paraguaçu. A Ponte Imperial D. Pedro II, inaugurada em 1885, representa muito mais do que um simples acesso: ela é um símbolo de modernização, resistência e identidade cultural para a população de Cachoeira e São Félix.
Com mais de 140 anos de história, a estrutura se mantém firme, preservando o charme da engenharia do século XIX e continuando a transportar pedestres, veículos e até trens.
O surgimento de uma necessidade histórica
Desde o século XVIII, os moradores de Cachoeira buscavam uma forma segura de cruzar o rio Paraguaçu. Antes da construção da ponte, as travessias eram feitas por balsas, que, além de não oferecerem segurança, não aguentavam grandes cargas.
Com o crescimento do ciclo do fumo, do açúcar e as riquezas da Chapada Diamantina, a necessidade de um acesso permanente só aumentou. Em 1865, durante o Império, Dom Pedro II autorizou a construção de uma ferrovia que ligaria o interior da Bahia ao litoral, surgindo assim a necessidade de uma ponte que unisse os trilhos que chegavam a São Félix a Cachoeira.
Projeto inglês e montagem baiana
A construção da ponte foi realizada por uma empresa britânica, a Brazilian Imperial Central Bahia Railway Company Limited, que trouxe as estruturas metálicas prontas da Inglaterra. As peças chegaram desmontadas e foram montadas no local, sob a supervisão do engenheiro francês Frédéric Merci, com fiscalização do baiano Afonso Glicério da Cunha Maciel.
De 1882 a 1885, a obra foi concretizada, com a participação do engenheiro Hugh Wilson, que também teve um papel fundamental na concessão da ferrovia e da ponte. A inauguração, em 7 de julho de 1885, foi celebrada com fogos, música e uma multidão. O presidente da Província da Bahia, José Luiz de Almeida Couto, representou o imperador na festa.
Um elo entre cidades, culturas e tempos
A Ponte D. Pedro II liga Cachoeira e São Félix, duas cidades que têm uma rica importância histórica. Com o passar das décadas, a ponte se tornou parte do cotidiano e da vida cultural da região.
Hoje, ela é usada para tráfego de veículos, pedestres e trens, mas, devido à sua pista única, o trânsito precisa ser alternado. Essa estrutura única permite a passagem simultânea de carros e locomotivas, o que requer cuidado e coordenação. Apesar disso, ela continua sendo a única ligação direta entre as duas cidades. Em 2002, a ponte foi tombada como patrimônio estadual, reconhecendo seu valor histórico.
Estrutura metálica e engenharia do século XIX
Com 365 metros de extensão, esta ponte foi considerada uma das maiores obras de engenharia do Brasil na época. Sua largura, cerca de 9 metros, permite a passagem de trilhos e veículos lado a lado. A estrutura possui quatro vãos de aproximadamente 91 metros cada, sustentados por três pilares centrais e encontros de pedra nas extremidades.
O estilo arquitetônico é típico da engenharia ferroviária do século XIX. As treliças metálicas em forma de “X”, conhecidas como lattice, fazem parte de uma estrutura do tipo through truss, por onde os trens passam “dentro” das vigas. Os principais materiais utilizados foram ferro forjado, importado da Inglaterra, e pedra para os pilares.
A montagem exigiu muita precisão, já que todas as peças chegaram desmontadas, e a engenharia da época trouxe técnicas inovadoras, transformando a ponte em uma referência em tecnologia de infraestrutura no Brasil.
Reformas e incidentes recentes na ponte centenária
Apesar de sua idade, a ponte continua funcional graças a reformas ao longo do tempo. Entre 2010 e 2012, a concessionária VLI, que sucedeu a Ferrovia Centro-Atlântica, realizou uma série de reparos. Entre as melhorias, trocou a passarela de madeira por uma de metal, fez pintura anticorrosiva e installou iluminação básica.
Em janeiro de 2025, um descarrilamento chamou a atenção para a segurança da ponte. Um trem de carga sofreu dilatação nos trilhos e saiu da linha sobre a estrutura. Embora tenha ficado interditada temporariamente, a ponte não sofreu danos graves. A Defesa Civil monitorou a situação, e a ponte foi liberada com alguns cuidados adicionais, como restrições de velocidade e carga.
Atualmente, vistoriações são feitas regularmente. Engenheiros avaliam a estabilidade dos pilares, as condições das peças metálicas e dos trilhos. Com a manutenção adequada, ela segue operando sem grandes problemas.
Ponte centenária: um marco que resistiu à República
Após a Proclamação da República, o nome da ponte se manteve inalterado, algo que não aconteceu com muitos outros monumentos da época. Este ato reflete o carinho e respeito da população local pela história imperial e pela figura de Dom Pedro II. Popularmente, a ponte é também chamada de “Ponte de Ferro” ou “Ponte Metálica”, destacando a singularidade de sua estrutura em comparação com pontes de madeira ou concreto em outras regiões.
Impactos econômicos e transformação
Nos primeiros anos após a sua construção, a ponte ajudou a alavancar a economia local. Produtos agrícolas e minerais chegavam em trem a Cachoeira, cruzavam a ponte e seguiam de barco para Salvador, tornando a região um ponto estratégico para o comércio.
Com o tempo, novas rotas ferroviárias e rodoviárias desviaram o tráfego, tirando Cachoeira e São Félix do circuito principal. Isso teve um impacto econômico, mas ajudou a preservar o patrimônio. A falta de grandes reformas urbanas garantiu que o cenário colonial das cidades fosse mantido, e hoje elas prosperam com o turismo histórico e cultural.
Para os moradores de Cachoeira e São Félix, a ponte simboliza não apenas uma passagem, mas a história da região, um passado glorioso, o talento da engenharia e a resiliência ao longo do tempo. Essa estrutura icônica aparece em cartões-postais, é tema de exposições e está sempre presente em eventos locais.