Fuga de talentos qualificados preocupa empresas brasileiras

Num momento em que a taxa de desemprego no Brasil está em seu menor índice histórico, muitos empresários estão enfrentando um verdadeiro "apagão" de mão de obra qualificada. Essa contradição tem chamado a atenção de especialistas no mercado de trabalho, que identificam uma mistura de fatores para essa situação: baixa qualificação técnica, alta rotatividade de funcionários e uma mudança na mentalidade dos jovens, que cada vez mais optam por trabalho autônomo ou por projetos.
Segundo dados recentes do IBGE, a taxa de desocupação está em 5,6%. Embora esse número seja baixo para os padrões brasileiros, as empresas relatam dificuldades para encontrar profissionais com as habilidades técnicas que as novas tecnologias e processos produtivos exigem. Informações sobre essa dificuldade foram compartilhadas pela CNN Brasil, com base em dados oficiais e pesquisas do setor produtivo.
Indústria enfrenta escassez de mão de obra qualificada mesmo com desemprego em 5,6%
A indústria é um dos setores mais impactados por essa falta de mão de obra qualificada. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) revelou que 62% das empresas da área têm dificuldades em contratar profissionais capacitados para operar máquinas e gerenciar novas tecnologias.
Para os líderes do setor industrial, o principal obstáculo está na educação técnica e profissional. Felipe Morgado, superintendente de Educação Profissional e Superior do Senai, destaca que o Brasil enfrenta uma transição rápida nas exigências do mercado de trabalho, mas a formação dos jovens não acompanha esse ritmo. Com as novas tecnologias surgindo, as empresas buscam profissionais que consigam resolver problemas complexos e aprender continuamente, mas o sistema educacional brasileiro ainda não consegue formar esse tipo de trabalhador em larga escala.
Ele também aponta que, embora o número de jovens que concluem o ensino médio esteja crescendo, a taxa de formação técnica permanece baixa. Assim, o "apagão de mão de obra qualificada" não se deve apenas à falta de profissionais, mas principalmente à falta de habilidades que a indústria moderna necessita.
Brasil forma menos técnicos que países ricos e tenta reagir com programas setoriais
Os dados internacionais ajudam a colocar o problema em perspectiva. Um estudo revelou que apenas 11% dos jovens brasileiros que completam o ensino médio seguem para cursos profissionalizantes. Em comparação, os países da OCDE, que englobam as economias mais desenvolvidas, têm taxas que variam entre 35% e 65%.
Isso mostra que, enquanto outras nações formam um sólido grupo de profissionais técnicos, o Brasil continua a concentrar a maior parte dos jovens em cursos que não se conectam diretamente ao mercado. Esse cenário ajuda a explicar a escassez de mão de obra qualificada que persiste, mesmo com os níveis de desemprego mais baixos.
Em resposta a essa situação, instituições como o Senai estão reforçando a formação profissional, alinhando os cursos às demandas reais das empresas. A ideia é oferecer qualificações em áreas mais tecnológicas, com um maior número de vagas e salários melhores, para tentar equilibrar o mercado.
Felipe Morgado menciona iniciativas voltadas para setores estratégicos da economia, como construção civil e tecnologia da informação, em colaboração com entidades do setor. Também há programas focados em energia renovável e vestuário, sempre com o objetivo de qualificar trabalhadores e aproximá-los das necessidades do mercado.
Rotatividade elevada afeta a estabilidade das equipes e agrava o apagão
A escassez de mão de obra qualificada não é o único problema que preocupa os empresários. A alta rotatividade no mercado de trabalho brasileiro também contribui para essa situação, dificultando a formação de equipes estáveis e experientes.
Dados recentes mostram que, desde a pandemia, é mais comum para os trabalhadores trocarem de emprego. Em 2018, menos de 12% das pessoas mudaram de trabalho de um ano para o outro; já em 2022, esse número subiu para mais de 14% e atualmente está em 13,7%.
Esse fenômeno significa que, a cada ano, uma parte significativa da força de trabalho está em busca de novas oportunidades, obrigando as empresas a investirem constantemente em recrutamento e treinamento. Isso acaba resultando na perda rápida do conhecimento acumulado nas organizações, complicando ainda mais a questão da mão de obra qualificada.
Essas dificuldades também atingem o comércio, especialmente em estados como São Paulo, onde a rotatividade se tornou um desafio para a contratação e retenção de talentos. Para essas empresas, essa situação gera um aumento dos custos operacionais e uma diminuição da qualidade do atendimento ao cliente.
Comércio registra queda no tempo médio de permanência e sente pressão nos custos
Estudos do setor varejista revelam que o tempo médio de permanência dos empregados caiu 7% entre 2015 e 2024, atingindo apenas 26 meses. Em áreas específicas, como madeira e material de construção, a redução foi ainda maior, chegando a 12%.
Segundo a economista Kelly Carvalho, da FecomercioSP, o tempo necessário para uma empresa varejista trocar todo o seu quadro de funcionários caiu de 2 anos e 3 meses em 2020 para 1 ano e 7 meses em 2024. Essa mudança é considerada drástica pelos especialistas.
Com isso, muitos negócios precisam reestruturar suas equipes frequentemente, o que afeta a cultura interna e aumenta o risco de erros operacionais. Além disso, a constante necessidade de treinar novos colaboradores consome recursos e tempo, complicando ainda mais um cenário já delicado.
Jovens migram para o trabalho autônomo e enxergam mais vantagens fora do emprego formal
Um terceiro fator a ser considerado é a mudança no comportamento dos jovens. Muitos têm optado por trabalhar em plataformas digitais, em projetos ou como empreendedores, abandonando a ideia do trabalho formal.
Para Gustavo Coimbra, diretor da LHH Brasil, a menor atratividade do emprego tradicional faz com que alguns jovens prefiram trabalhar por conta própria. Essa flexibilidade de horários e a chance de determinar seus próprios salários atraem muitos, como é o caso de Eduardo Lima de Souza, um motorista de aplicativo. A autonomia e a possibilidade de organizar sua rotina são algumas das principais vantagens que ele valoriza.
Esse novo comportamento reflete uma tendência crescente: os jovens querem mais controle sobre suas vidas profissionais, o que intensifica a percepção de "apagão" de mão de obra qualificada.
Desafio é tornar o emprego formal mais atrativo e investir pesado em qualificação
Os especialistas apontam que o Brasil precisa abordar essa questão em duas frentes. Primeiro, é fundamental aumentar a educação técnica e profissional, fazendo com que mais jovens sigam para cursos profissionalizantes, ampliando a participação dos atuais 11% para níveis mais próximos aos 35% a 65% observados em países da OCDE.
Em segundo lugar, as empresas devem repensar suas estratégias de atração e retenção de talentos. A nova geração busca flexibilidade, autonomia e desenvolvimento contínuo. Oferecer modelos híbridos de trabalho e planos de carreira transparentes pode ser uma parte importante desse processo.
Enquanto essas mudanças não ocorrerem, o Brasil seguirá convivendo com um dilema: desemprego baixo, muitas vagas abertas e um apagão de mão de obra qualificada, um cenário que preocupa tanto a indústria quanto o comércio e outros setores produtivos. Como governo, empresas e instituições de ensino reagirão a esse desafio será crucial para a competitividade da economia brasileira nos próximos anos.



