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C&A: a trajetória de uma família alemã e seu império da moda

A história da C&A é uma verdadeira jornada que começa com mascates de linho atravessando estradas na Europa e chega a um gigante do varejo que hoje fatura bilhões no Brasil. No meio desse caminho, a marca enfrentou uma mistura de tradição familiar, expansão internacional e a habilidade de se reinventar em tempos de crise.

Nada foi fácil nessa trajetória. A C&A passou por um período sombrio na Europa, enfrentou a pesada concorrência do setor de moda no Brasil, lidou com a pandemia e a alta dos juros. Sua ação chegou a despencar abaixo dos dois reais, mas a marca deu a volta por cima ao mudar sua governança e reconquistar investidores. Hoje, a C&A, que começou como uma feirinha de tecidos, é um exemplo de transparência e eficiência no varejo.

O DNA dos mascates que virou método de varejo

A história da C&A começa em Mettingen, uma pequena cidade na Alemanha, em 1671. A família Brening Mayer decidiu se juntar aos Totten, mascates que viajavam a pé vendendo linho e tecidos pelo norte da Holanda. Imagine o trabalho duro: estrada, riscos e pouco espaço para errar. Esses mascates dependiam da disciplina, do laço familiar e de um segredo comercial bem guardado, segurando rotas e clientes em tempos difíceis.

Nos séculos 17 e 18, a rota entre Alemanha e Holanda se fortaleceu, e os Brening Mayer se tornaram conhecidos como vendedores de linho fino, conectando teares a grandes mercados. Esse embrião comercial foi crucial para a transição de vendedores solitários para comerciantes estruturados. No início do século 19, Clemens e August, dois jovens da família, tornaram-se aprendizes e aprenderam tudo sobre o comércio, preparando-o para uma nova era.

Da loja de linho à lógica da moda acessível em escala

Em 1841, Clemens e August abriram sua primeira loja em Sneek, na Holanda, dando origem à C&A — que recebe o nome de suas iniciais. No começo, era um comércio pequeno, familiar, onde os irmãos moravam em cima da loja e atendiam principalmente famílias da região. Com o passar do tempo, aquele espírito dos mascates se transformou em uma metodologia sólida.

Quando o século 19 se transformou no 20, a C&A adotou uma visão revolucionária: oferecer roupas prontas para vestir em diversos tamanhos e com preço fixo. Assim, em vez de focar na exclusividade, a marca decidiu apostar na escala e no volume.

A inovação da máquina de costura e a Primeira Revolução Industrial ajudaram esse modelo a florescer. A C&A fez do ato de comprar roupas uma experiência acessível e moderna, tornando a moda algo democrático muito antes do termo “democrático” se tornar uma tendência. Em 1911, a marca chegou à Alemanha, e em 1922, já estava em Londres, se estabelecendo como uma potência no varejo de moda.

A chegada da C&A ao Brasil e o nascimento de um fenômeno pop

Nos anos 1970, a C&A olhou para o Brasil, um país jovem e em transformação. Em agosto de 1976, abriu sua primeira loja no Shopping Ibirapuera, em São Paulo. O ambiente era perfeito: a classe média ainda em ascensão e novos shoppings se tornando pontos de consumo vibrantes.

A proposta da C&A encontrou terreno fértil nesse cenário. O formato de self-service, com muitas opções a preços competitivos, caía como uma luva em um Brasil que enfrentava inflação alta. A cada novo shopping que surgia, era quase certo que uma C&A estaria lá, como um símbolo de modernidade.

Nos anos 80, a marca solidificou sua identidade, com lojas amplas e bem iluminadas, que tornaram a compra de roupas uma tarefa leve e até divertida. A famosa campanha “Abuse, use” e a personalidade cativante de Sebastian, o bailarino que se tornou o rosto da C&A, contribuíram para que a marca se tornasse um ícone cultural, unindo moda, música e alegria.

A concorrência aumentou, com Renner e Riachuelo disputando o mesmo espaço no mercado. No entanto, a C&A passou a ser vista como o grande modelo a ser seguido. Histórias até falam que a marca abria lojas em frente a novas unidades de rivais, numa espécie de duelo que mexia com o varejo.

A virada pela governança e o retorno da C&A ao topo

Em 2019, a C&A Brasil deu um passo importante ao estrear na B3. A ação foi lançada a 16,50 reais, marcando sua entrada definitiva no mundo dos investidores, após mais de um século sob o controle da mesma família.

O group Cofra, proprietária da C&A, sempre preferiu atuar com discrição. A família Brening Mayer evitava a exposição pública, mantendo suas decisões em um círculo fechado. Este modelo se baseava em sigilo e restrições nas informações financeiras.

Porém, com o IPO, surgiram novos desafios. A transparência que o mercado exigia entorpecia a cultura familiar da C&A. Logo após a abertura de capital, a pandemia bateu à porta, levando ao fechamento de lojas e a um grande teste de resiliência. A necessidade de adaptação foi imediata.

A governança e as mudanças necessárias

As mudanças começaram com uma transformação na liderança. A C&A passou a contar com um conselho majoritariamente independente e uma gestão totalmente profissionalizada. Essa nova estrutura trouxe organização, autonomia e maior responsabilidade.

Sob o comando de Paulo Correa, a marca buscou melhorias nas operações, fechando lojas que não eram lucrativas e lançando o C&A Pay como uma nova forma de fidelização. Essa combinação de meta clara e execução eficaz foram fundamentais para a recuperação.

Graças a essa nova abordagem, a C&A registrou uma receita líquida de 7,6 bilhões de reais em 2024, com um lucro de 452,5 milhões de reais, demonstrando uma recuperação impressionante. Depois de passar por altos e baixos, a C&A mostrou que a transparência e uma boa governança podem realmente fazer a diferença.

A trajetória da C&A como lição para o futuro do varejo

Daquelas feiras de tecidos à B3, a C&A se tornou um exemplo vivo de como o varejo pode evoluir.

A história da C&A nos ensina que crescer é importante, mas o mais essencial é saber se reinventar sem perder a essência. A disciplina dos mascates e o foco em execução continuam a guiar a marca, só que agora em novos palcos e com métricas adaptadas aos tempos modernos.

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