STJ confirma que quem mora sozinho pode ficar com imóvel da herança

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe um esclarecimento importante sobre a usucapião que pode impactar muitos brasileiros. Segundo suas decisões recentes, um coproprietário que esteja vivendo sozinho em um imóvel e agindo como o único dono pode, sim, usucapir a parte dos outros proprietários — como herdeiros ou ex-cônjuges — desde que não haja contestação no período legal.
Na prática, isso significa que, se alguém abandonou o imóvel e não fez objeções, pode acabar perdendo a sua parte. Vamos entender melhor o que isso implica.
O que muda com a posição do STJ
Essa nova orientação do STJ traz uma resposta a situações comuns em heranças e separações. É bem frequente que um dos herdeiros ou ex-cônjuges permaneça no imóvel, pagando as contas e se comportando como dono. Enquanto isso, os demais se afastam.
A jurisprudência agora reconhece que, se um possuidor exclusivo permanecer sem contestação, ele pode requerer a usucapião mesmo que o imóvel ainda conste como um condomínio em registros públicos.
Decisões recentes que consolidaram o entendimento
Em junho de 2022, a Terceira Turma analisou um caso em que uma ex-esposa, morando sozinha em apartamentos do casal por mais de 23 anos, poderia usucapir não só a própria parte, mas também a do ex-marido. O tribunal destacou que, com o divórcio, a coparticipação se desfaz, criando um condomínio, e, se apenas um dos coparticipantes exerce o domínio sem oposição, o prazo para usucapião se inicia.
Um outro caso, em outubro de 2022, esclareceu que um casal que já possuía 50% de um apartamento poderia usucapir a outra metade. O tribunal frisou que, para isso, era necessário que a moradia fosse habitual, e que houvesse continuidade na posse.
E em 2023, novas diretrizes definiram os períodos de usucapião: 15 anos na forma extraordinária, caindo para 10 anos em caso de moradia habitual ou melhorias relevantes, e 5 anos na usucapião especial urbana para imóveis menores que 250 m².
Requisitos centrais para usucapir a quota dos demais
Para que um coproprietário tenha sucesso em usucapir a parte dos demais, alguns requisitos são fundamentais. Primeiro, ele precisa ter uma posse exclusiva e contínua. Isso quer dizer que ele deve viver sozinho no imóvel ou ter a administração total dele, como receber aluguéis apenas em seu nome.
Além disso, é preciso que exista o “animus domini”, que é o comportamento de quem age como se fosse o proprietário. Isso inclui o pagamento de impostos e taxas, a realização de reformas e melhorias, caracterizando aquele cuidado com o espaço.
Outro ponto essencial é que deve haver ausência de oposição. Se os outros coproprietários fizerem qualquer resistência — seja através de notificações formais, cobranças de aluguel, ou ações judiciais —, a usucapião não será possível.
Por fim, há o prazo legal. Na modalidade extraordinária, são 15 anos, podendo ser reduzido para 10 anos quando a moradia é habitual ou há obras significativas. Já na usucapião especial urbana, o prazo é de 5 anos, desde que se trate de imóvel pequeno e utilizado como moradia.
Quando a contagem começa a correr
Uma importante informação é que a contagem do prazo de usucapião não considera o período de uso compartilhado. Ela começa a contar a partir do momento em que a posse se torna exclusivamente sua e sem contestação. Por exemplo, se um herdeiro saiu em 2010, mas continuou pagando metade do IPTU até 2015, a posse continuou compartilhada.
Fundamentos legais e a função social da propriedade
Essa nova orientação do STJ está fundamentada na função social da propriedade que está prevista na nossa Constituição. A ideia é que a propriedade deve ter uma finalidade social e não pode ficar parada, sem uso, enquanto outros a abandonam. Aqui, a usucapião se torna um mecanismo de regularização.
Situações típicas em heranças, divórcios e sociedades
É comum que, em inventários, um irmão permaneça no imóvel dos pais durante anos, arca com as despesas enquanto os outros se afastam. Caso não haja contestação, essa pessoa pode reivindicar 100% da propriedade.
Nos divórcios, o ex-cônjuge que fica e explora o imóvel, recolhendo sozinho os frutos, tem grandes chances de consolidar sua propriedade após 15 anos, a não ser que prove que os outros o toleram.
E quando alguém compra apenas metade de um imóvel, mas faz uso exclusivo dele, também pode buscar a usucapião da outra metade.
Como demonstrar a posse exclusiva
Para comprovar essa posse, você vai precisar de documentos fiscais, que mostram que apenas você está arcando com as contas, além de recibos de reformas, fotos que provem sua continuidade e testemunhos dos vizinhos. Declarações de Imposto de Renda onde o imóvel é listado como seu também ajudam.
Como os demais condôminos podem se proteger
Aqueles que se afastaram do imóvel precisam deixar clara a sua oposição. Isso pode ser feito mediante notificações formais, cobrança de aluguel ou ações para partilhar o patrimônio. Essas iniciativas ajudam a interromper a configuração da posse como pacífica e exclusiva.
Outra alternativa é um comodato formal, deixando claro que o ocupante está ali de maneira provisória e não como dono.
Imóvel financiado: a hipoteca impede a usucapião?
Se o imóvel está financiado ou hipotecado, isso não impede a usucapião. O novo proprietário pode assumir a dívida do financiamento após ter sua posse reconhecida. O que conta mesmo é o cumprimento dos requisitos de posse.
Orientação prática para quem ficou e para quem saiu
Quem está morando sozinho e cuidando do imóvel há mais de 10 anos tem um caminho legal para consolidar sua propriedade, mesmo que só uma parte esteja oficialmente registrada. Por outro lado, os herdeiros e ex-companheiros que se distanciaram precisam agir o quanto antes. Um ato formal de oposição ou ação de partilha pode fazer toda a diferença e evitar que a parte de alguém se perca silenciosamente.