O Comitê de Política Monetária (Copom) reduziu nesta quarta-feira (2) a taxa básica de juros da economia brasileira (Selic), em 0,50 ponto percentual, de 13,75% anual, para 13,25%. É o primeiro corte em três anos. Mas como essa redução dos juros pode afetar os principais meios de crédito usados pelos consumidores brasileiros, como cartão de crédito, cheque especial e empréstimos pessoais? Entenda melhor abaixo.
Queda de juros gera expectativa em consumidor
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central tomou uma importante decisão nesta quarta-feira (2), ao reduzir a taxa básica de juros da economia brasileira, conhecida como Selic, em 0,50 ponto percentual, passando de 13,75% ao ano para 13,25%. Essa redução, que demorou três para acontecer, representa o primeiro corte desde agosto de 2020 e vem após intensos debates entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sobre o nível dos juros no Brasil e seu impacto na atividade econômica.
A surpreendente queda de 0,50 ponto percentual superou as expectativas da maioria dos agentes do mercado financeiro, que esperavam um corte menor de 0,25 ponto percentual. No entanto, nos últimos tempos, ganhou força a aposta de uma redução de 0,50 ponto percentual, devido a sinais de enfraquecimento da economia e à desaceleração da inflação nos últimos meses. A inflação, que havia atingido mais de 12% no acumulado de 12 meses até abril de 2022, caiu para 3,16% em junho do mesmo ano, conforme apontado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
É importante entender que a taxa Selic é uma ferramenta essencial usada pelo Banco Central para controlar a inflação, pois influencia o nível de todas as outras taxas praticadas no mercado. Quando os juros aumentam, os empréstimos para consumo e investimento ficam mais caros para famílias e empresas. Por outro lado, quando os juros diminuem, como agora, espera-se um efeito oposto.
Os analistas projetam que a Selic continuará sendo reduzida gradualmente nos próximos meses, chegando a 12% até o final deste ano, 9,25% em dezembro de 2024, 8,75% em 2025 e 8,5% em 2026, de acordo com as expectativas coletadas pelo boletim Focus do Banco Central.
Mas como essa redução dos juros pode afetar as principais modalidades de crédito usadas pelos consumidores brasileiros, como cartão de crédito, cheque especial e empréstimos pessoais? E o financiamento habitacional, ficará mais barato? E por que, mesmo com essas reduções projetadas, a Selic não deve cair muito abaixo de 10%, mantendo os juros do país em níveis elevados?
Confira mais abaixo o que dizem cinco especialistas sobre as expectativas pós-queda.
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Queda da Selic impacta crédito?
A Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) calcula o efeito do corte de 0,50 ponto percentual na Selic sobre as principais modalidades de crédito utilizadas pelos brasileiros: compras parceladas no varejo, cartão de crédito, cheque especial, CDC (Crédito Direto ao Consumidor) para compra de veículos e empréstimos pessoais em bancos e financeiras.
Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Anefac, resume que o impacto imediato é bastante limitado. Isso acontece porque existe uma diferença significativa entre a Selic e as taxas de juros cobradas dos consumidores. Em julho, quando a Selic estava em 13,75% ao ano, a taxa média de juros nas operações de crédito mais comuns era de 126,2% ao ano, de acordo com a Anefac.
Com a Selic agora em 13,25%, espera-se que essa taxa média recue para 125,2%, uma variação quase insignificante. Oliveira explica que as taxas de juros praticadas no mercado são compostas por cinco grupos de custos: a própria Selic, a “cunha fiscal” (impostos compulsórios embutidos nas taxas de juros), as despesas administrativas dos bancos, o risco de inadimplência e a margem líquida dos bancos.
Portanto, a redução da Selic não implica em uma diminuição imediata das taxas de juros no mercado, já que há diversos fatores envolvidos. O risco de crédito também é um fator que pode impedir uma queda mais acentuada das taxas de mercado, pois o alto endividamento e inadimplência das famílias ainda representam uma percepção de risco elevada para os bancos, apesar da expectativa de melhora com os efeitos do programa Desenrola, de negociações de dívida.
Defasagem temporal:
Rachel de Sá, chefe de economia da gestora de recursos Rico Investimentos, ressalta que no Brasil, os efeitos das variações da Selic levam entre três e seis meses para serem sentidos no mercado de crédito. Embora relativamente rápido se comparado a outros países, é um processo que demanda algum tempo.
Claudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas), observa que as taxas que devem responder mais à queda de juros são as que têm garantias mais fortes, como o crédito imobiliário e para a compra de veículos. No entanto, esse efeito não é imediato e deve ser mais perceptível para os consumidores quando a Selic voltar ao patamar de um dígito, isto é, abaixo dos 10%, e com o passar dos meses, se mantida a trajetória de queda gradual da taxa básica de juros.
Alberto Ajzental, coordenador do curso de Negócios Imobiliários da FGV, destaca que o crédito imobiliário é aquele que está mais intimamente ligado à variação da Selic, sendo a modalidade de crédito com o menor spread (diferença entre os juros pagos ao investidor e os juros cobrados no empréstimo). Por ter o menor spread, é o mais sensível às variações da Selic.
Ajzental explica que essa relação não é linear e, embora a Selic tenha variado de uma mínima de 2% ao ano durante a pandemia para 13,75% até julho, a taxa média do financiamento imobiliário variou nesse período entre 7% e 12% ao ano. A variação dos juros do crédito imobiliário é menos ampla do que a da Selic, a uma razão de 1 para 2, ou seja, os juros do crédito imobiliário variam 1 ponto a cada 2 pontos de variação da Selic.
Ele estima que o crédito imobiliário pode cair entre 0,75 e 1 ponto, acompanhando os quase 2 pontos de queda da Selic até o final do ano. No entanto, enfatiza que esse efeito não é imediato, podendo levar até três meses para os juros do crédito imobiliário caírem em função de cortes anteriores na Selic.
Ainda assim, ele destaca que esperar pela queda dos juros não é necessariamente a melhor estratégia, pois a compra de um imóvel deve ser vista com uma visão de longo prazo. Além disso, o consumidor tem a opção de portabilidade, que permite levar a dívida de um banco para outro, negociando taxas de juros menores no pagamento.
Valor dos imóveis e renda da poupança:
Ajzental destaca dois motivos para não esperar a queda dos juros para comprar um imóvel. Primeiro, com a redução da Selic e a melhora esperada na atividade econômica, a demanda por imóveis tende a aumentar, o que pode levar a uma alta nos preços das propriedades. Segundo, a disponibilidade de recursos na poupança, que é um importante financiador do crédito imobiliário no Brasil.
Mais de 50% dos recursos captados para o crédito imobiliário vêm da poupança, cuja rentabilidade também está ligada à Selic. Investidores da poupança recebem um rendimento de 0,5% mais a variação da TR quando a Selic está acima de 8,5%, e 70% da Selic quando a taxa básica de juros está abaixo de 8,5% ao ano. Portanto, quedas maiores da Selic podem retirar recursos da poupança devido à perda de rentabilidade e maior atratividade de investimentos de renda variável, o que pode diminuir a oferta de crédito imobiliário e pressionar as taxas.
Causas de juros altos no Brasil:
Os especialistas ouvidos concordam que a Selic não deve voltar ao patamar de 2% visto durante a pandemia, a não ser que ocorra uma catástrofe econômica que exija um forte estímulo monetário. Diversos fatores históricos contribuem para que os juros no Brasil sejam mais altos do que em outros países.
Um desses motivos é a questão fiscal, com um perfil fiscal desfavorável, dívida pública elevada e déficit nas contas públicas, especialmente nos últimos dez anos. Essa situação leva a um prêmio de risco mais alto, fazendo com que o mercado exija uma taxa de juros maior para financiar a dívida pública.
A elevada indexação da economia também é apontada como um fator para juros mais altos, pois muitos contratos são reajustados pela inflação passada, o que gera uma persistência da inflação e exige juros mais elevados para controlá-la.
A baixa competitividade no setor bancário e a grande oferta de juros subsidiados no Brasil, através de instituições como o BNDES, também contribuem para os juros mais altos no país.
Além dos fatores estruturais, há motivos para o Banco Central ser cauteloso na redução dos juros neste momento, pois a inflação de serviços representa um risco e há incertezas tanto no cenário internacional quanto no âmbito fiscal interno.
O início da queda dos juros é considerado uma boa notícia para a economia, mesmo que seja lenta, pois reduz a tensão entre o Banco Central e o governo. No entanto, o crescimento de longo prazo e sustentável depende de reformas que aumentem a produtividade e impulsionem o crescimento econômico.