Os planos do governo do Ceará em construir a maior usina de dessalinização de água do mar do país no mesmo local onde fica a Praia do Futuro, principal ponto de tráfego de internet no Brasil, tem gerado conflitos de interesses entre as empresas de telecomunicação e o governo estadual. Entenda mais detalhes sobre os riscos, a seguir.
Internet brasileira em risco
A Praia do Futuro, em Fortaleza, é um local de grande importância para o tráfego de internet no Brasil, abrigando o segundo maior hub de sistemas ópticos submarinos do mundo.
No entanto, um impasse tem se instalado devido aos planos do governo do Ceará de construir a maior usina de dessalinização de água do mar do país nesse mesmo local.
Esse cenário tem gerado conflitos de interesses entre as empresas de telecomunicação e o governo estadual, que nega os riscos e insiste na construção da usina. Entenda mais detalhes sobre o problema, a logo abaixo.
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O projeto da usina de dessalinização
O principal objetivo da usina é fornecer água potável para cerca de 700 mil habitantes de Fortaleza, ao mesmo tempo em que melhora a logística de abastecimento de água no estado, que atualmente depende do interior.
Atualmente, a obra está em fase de espera de licenciamento ambiental e liberação da Secretaria do Patrimônio da União (SPU). A empresa vencedora da parceria público-privada (PPP) está disposta a investir R$ 520 milhões na planta, com mais R$ 2,5 bilhões destinados à manutenção e operação do sistema pelos próximos 30 anos.
Em entrevista ao Olhar digital, o presidente executivo da TelComp, Luiz Henrique Barbosa, enfatiza que não se trata de questionar a importância do projeto em si. Ele reconhece a meritocracia da construção da usina, mas destaca que ela não deve ser realizada em um local que coloque em risco os sistemas de telecomunicações.
Os cabos submarinos na Praia do Futuro
Para entender o argumento de Barbosa, é importante considerar o contexto atual dos cabos submarinos. Esses cabos são responsáveis por conectar o Brasil com o restante do mundo e têm se concentrado em Fortaleza devido a fatores geográficos e históricos.
Há mais de duas décadas, empresas de telecomunicações têm lançado seus cabos nessa região para conectar o Brasil aos Estados Unidos, Europa e África. Com a atual tendência de transformação digital, o processamento de dados não está mais restrito aos computadores individuais, mas ocorre nas “nuvens”, representadas por data centers espalhados globalmente.
Barbosa explica que a rede de internet possui troncos, sendo que os cabos submarinos constituem esses troncos. Esses cabos são essenciais e carregam informações críticas, não podendo ser comprometidos pela proximidade de estruturas industriais.
Caso uma estrutura industrial já existisse na Praia do Futuro, ela não teria sido escolhida como local de ancoragem para os cabos submarinos, e os data centers que atualmente operam na região perderiam sua certificação. Além disso, empresas internacionais deixariam de alocar seus dados nesse local devido à presença da usina.
O contexto do projeto
Barbosa destaca que o setor de telecomunicações está ciente do projeto da usina há muitos anos e já manifestou, em diversas ocasiões, a inviabilidade de sua construção na Praia do Futuro.
Ele argumenta que a insistência do governo estadual em prosseguir com a usina nesse local representa uma perda de oportunidade para Fortaleza se firmar ainda mais como um centro de processamento de dados global.
Atualmente, o estado do Ceará fica apenas atrás de Marselha, na França, em termos de concentração de cabos submarinos no mundo.
Além disso, o presidente da TelComp destaca que o projeto da usina ameaça os milhares de empregos gerados pelo hub de sistemas ópticos submarinos no estado.
Segundo ele, o Ceará se destaca na criação de empregos na área de Tecnologia da Informação (TI) em comparação com outros estados do Nordeste, devido à presença de empresas de telecomunicações na região. A construção da usina representa um risco para as infraestruturas existentes e, portanto, não é uma opção viável.
As mudanças no projeto da usina
Inicialmente, o projeto da usina de dessalinização contemplava dois dutos de captação e emissão dos resíduos, localizados a uma distância de 40 a 50 metros dos cabos submarinos.
No entanto, o governo do Ceará realizou ajustes para atender às solicitações do setor de telecomunicações, estipulando que os dutos fiquem a uma distância superior a 500 metros dos cabos.
Contudo, Barbosa enfatiza que essas mudanças não resolvem o problema, pois a infraestrutura terrestre dos cabos submarinos, que inclui componentes de alta voltagem, também será afetada se a usina for construída no local.
O posicionamento da Cagece
A Cagece, em resposta aos argumentos apresentados pela TelComp, enfatiza vários pontos em nota ao Olhar Digital:
- O projeto não apresenta riscos ao funcionamento dos cabos submarinos na Praia do Futuro. Em 2022, a Cagece atendeu à solicitação de alteração de 500 metros do ponto de captação em relação aos cabeamentos, cumprindo as regulamentações internacionais de proteção dos cabos submarinos.
- Se a usina não for construída na Praia do Futuro, os custos da planta serão significativamente maiores, uma vez que será necessário investir em adutoras até os reservatórios de Fortaleza, podendo essas adutoras cruzar com as fibras ópticas no continente;
- A escolha da Praia do Futuro como local para a usina foi baseada em critérios como a qualidade da água, boas correntes marinhas para dispersar os rejeitos e proximidade dos reservatórios da Cagece.
- A área terrestre da Praia do Futuro já convive com redes de água, esgoto, gás, drenagem, energia, cabos de internet e linhas férreas, sem histórico de interferência prejudicial;
- O projeto da usina faz parte do Plano de Recursos Hídricos do Ceará e do plano Fortaleza 2040, com o objetivo de diversificar as fontes de abastecimento de água no estado, reduzindo a dependência das chuvas;
- A Cagece enfatiza que o projeto foi submetido a uma série de estudos ambientais e passou por processos rigorosos de consulta pública, garantindo a transparência e a participação de entidades e da sociedade civil;
- A empresa argumenta que a mobilização das empresas de telecomunicações na Praia do Futuro demonstra que elas não consideram os impactos para a população de Fortaleza e, ao contrário, estão agindo em benefício próprio, buscando uma espécie de reserva de mercado.
- A Cagece destaca que seu posicionamento está alinhado com uma política pública voltada para o acesso à água para a população.
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*Com informações do Olhar Digital