Costuma fazer parcelamento de valores? Em um cenário econômico singular, o Brasil destaca-se por uma cultura de parcelamento sem juros, adotada por uma vasta maioria da população. Mas como essa prática ganhou popularidade e como ela se compara às tendências internacionais?
Parcelamento no Brasil
No Brasil, a história do “parcelamento sem juros” tem suas raízes na década de 1990. Segundo José Paulo Kupfer, colunista do UOL, essa modalidade de pagamento é considerada uma invenção genuinamente brasileira e surgiu como uma alternativa ao cheque pré-datado, outro fruto da criatividade nacional oriundo dos tempos de hiperinflação. Antes mesmo da era dos cartões de crédito, o país já estava familiarizado com o conceito de parcelamento, principalmente através dos carnês de crediário, como destaca Bruno Samora, diretor de produtos da Matera. Myrian Lund, renomada planejadora financeira, lembra que durante os anos de hiperinflação, com reajustes salariais frequentes e expressivos, o pagamento parcelado facilitava a aquisição de bens.
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Conforme revelado por dados do Datafolha, 75% dos brasileiros utilizaram o crédito parcelado sem juros em 2022. A Febraban complementa essa estatística, apontando que metade das compras no país são feitas nessa modalidade.
A ascensão do cartão de crédito tornou o processo de parcelamento ainda mais prático. Gastão Mattos, fundador da Gmattos Consultoria, comenta sobre a complexidade que envolvia a utilização dos carnês. O consumidor tinha que preencher formulários extensos e esperar validações por telefone. Com o cartão, essa burocracia foi eliminada, tornando o processo muito mais ágil. No entanto, essa facilidade trouxe consigo uma consequência não intencionada: pessoas que tinham a capacidade financeira de efetuar pagamentos à vista passaram a optar pelo parcelamento.
Em uma visão global, a abordagem brasileira quanto ao parcelamento é singular. Para o presidente do Banco Central, o uso de cartões de crédito no Brasil é desproporcional em comparação com outros países emergentes. Enquanto no Brasil 40% das vendas são realizadas via cartão, em outros locais esse índice varia entre 10% e 15%. O IDV indica que, dessas compras parceladas, 80% são liquidadas em até seis meses.
Desde 2020, uma modalidade chamada “buy now pay later” (compre agora e pague depois) ganhou destaque no cenário internacional. Esse modelo, segundo Samora, vem sendo gradualmente adotado por diversos países. Ele permite ao consumidor adquirir um produto e definir parcelas mensais, quinzenais ou até mesmo semanais. A estrutura e as taxas dependem das políticas da instituição financeira envolvida.
Opinião dos especialistas
A realidade do “parcelamento sem juros”, contudo, é questionada por especialistas. Carla Beni, economista e professora dos MBAs da FGV, argumenta que essa modalidade é, na verdade, uma estratégia de marketing. Os juros são sutilmente incorporados ao valor total do produto, criando uma ilusão de ausência de juros.
Sobre essa realidade, José Faria Júnior, planejador financeiro CFP pela Planejar, ressalta a necessidade do comércio em adaptar-se às condições econômicas brasileiras, onde a renda média é relativamente baixa. Ele sugere que, se as transações fossem todas à vista, os preços poderiam ser mais atrativos.
Atualmente, o Banco Central e o governo estão analisando formas de reduzir as taxas de juros do cartão de crédito. Uma das alternativas propostas é limitar o parcelamento sem juros, levando em consideração o tipo de bem e o prazo da operação. O ministro da Fazenda, por sua vez, alerta sobre os riscos de eliminar essa modalidade, dada a importância do parcelamento para o varejo nacional.
Por fim, é imperativo observar o cenário de inadimplência. Em julho, 31,13% das dívidas não pagas estavam associadas a bancos e cartões de crédito, de acordo com a Serasa. Esse índice é ainda maior entre os jovens, chegando a 35,69% na faixa de 18 a 25 anos. Esses números refletem a realidade de cerca de 71 milhões de inadimplentes no país.
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